Título: Indústria e academia querem influir na gestão de fundos
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Brasil, p. A4

Centralização na distribuição de recursos para pesquisas preocupa

Representantes da indústria e da comunidade científica estão trabalhando para convencer o governo a ampliar sua participação na gestão dos fundos de apoio a pesquisas que o Ministério da Ciência e Tecnologia administra. Eles estão insatisfeitos com a maneira como o ministério centralizou as decisões mais importantes sobre a aplicação desses recursos no ano passado. O ministério administra 15 fundos setoriais de apoio a pesquisas. Criados a partir do fim da década de 90, eles são alimentados por contribuições das empresas de diversos setores e estão abrigados sob o guarda-chuva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Esses fundos devem arrecadar R$ 1,5 bilhão neste ano e são a principal fonte de recursos para investimentos nessa área. As empresas e a academia já participam da gestão desse dinheiro. Cada fundo tem um comitê gestor e em todos há lugar para representantes do setor privado e das universidades, com exceção do fundo que financia a construção e o aparelhamento de novos laboratórios. O problema é que esses comitês tiveram seu papel esvaziado por mudanças promovidas no ano passado. O ministério criou um comitê de coordenação dos fundos setoriais, formado apenas por funcionários da pasta e de órgãos subordinados a ela. Esse comitê passou a definir diretrizes para os fundos, critérios para a seleção de projetos e a divisão dos recursos, cabendo aos demais comitês apenas o papel de confirmar essas decisões. A escolha dos projetos é feita depois por especialistas recrutados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), braço financeiro do ministério. "Os comitês gestores só se reúnem para homologar o que o ministério decide e o espaço para discussão de prioridades diminuiu muito", diz o presidente da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), Rodrigo Costa da Rocha Loures, que representa a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) nas discussões sobre o assunto com o ministério. A centralização permite que o ministério financie o que ele tem chamado de "ações transversais", projetos mais abrangentes e menos focados nos setores para os quais os fundos foram desenhados originalmente. Também foi possível investir mais recursos em áreas prioritárias para a política industrial do governo, como nanotecnologia e microeletrônica, que interessam a diferentes setores da indústria sem ter vínculos com um fundo específico. "Nosso objetivo é promover uma integração maior entre os fundos e evitar ações pulverizadas", diz o secretário-executivo do ministério, Luis Manuel Fernandes, que preside o comitê de coordenação. "Estamos abertos a sugestões do setor privado, mas recebemos respostas muito tímidas na última vez em que pedimos propostas para os fundos." Essa discussão deve se desenrolar no Congresso, onde tramita há três anos um projeto de lei que regulamenta o FNDCT e cria um conselho diretor para administrá-lo. De acordo com o projeto, o conselho teria sete representantes do governo, três da comunidade científica, dois das empresas e um dos trabalhadores. Há poucas semanas, numa reunião com parlamentares que acompanham o assunto, o presidente da Finep, Sergio Rezende, defendeu mudanças no projeto de lei que reduziriam pela metade o número de vagas reservadas para empresários, cientistas e trabalhadores no conselho diretor do FNDCT. Mas a idéia foi abandonada por causa das reações negativas que despertou. O ministério passou então a negociar uma solução com a indústria e a academia. Uma proposta comum deve ser levada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) que deve ser marcada em alguns dias. "Não será difícil encontrar uma saída consensual", diz o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti. Apesar das queixas da indústria, a centralização da administração dos fundos trouxe benefícios para as empresas. Metade dos recursos aprovados no ano passado pelos comitês vai financiar projetos que exigem algum tipo de cooperação entre centros de pesquisa e empresas. O dinheiro irá para institutos e universidades, e não para as empresas, mas beneficiará pesquisas com interesse para a indústria. "Quem realmente entende dos setores são as indústrias e o envolvimento de grandes empresas tem sido importante para o sucesso dos fundos mais bem administrados", afirma o geólogo Newton Müller Pereira, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de um estudo recente sobre os fundos setoriais. A discussão sobre o FNDCT também abriu caminho para examinar outro problema grave na gestão desses fundos. A maior parte do dinheiro tem sido bloqueada por medidas de economia adotadas para conter despesas e reduzir o endividamento do governo. Do R$ 1,5 bilhão que os fundos terão neste ano, 52% foram bloqueados por essa razão. Isso incomoda a indústria, que paga as contribuições para os fundos e vê uma parcela grande desviada da finalidade prevista em lei. O Ministério da Ciência e Tecnologia avalia com o Ministério da Fazenda a possibilidade de incluir na lei um dispositivo que reduza gradualmente o contingenciamento das verbas do FNDCT. Segundo a proposta, ele ficaria completamente livre de restrições desse tipo em 2009.