Título: Primeira vítima de rejeição da Carta continental deve ser premiê francês
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Internacional, p. A8

Se a votação de ontem cria constrangimentos e indefinições na UE, na França o resultado caiu como uma bomba atômica política. E a primeira vítima pode ser o premiê do país, Jean-Pierre Raffarin. É consenso entre analistas políticos do país que a impopularidade do atual governo (Raffarin tem a aprovação de pouco mais de 20% dos franceses, segundo pesquisas) contribuiu decisivamente para a rejeição da Constituição européia. Em pronunciamento ontem, o presidente Jacques Chirac prometeu para os próximos dias "um impulso novo e forte no plano interno", o que foi interpretado como uma provável substituição de Raffarin. No sistema francês, o presidente cuida das questões externas e de defesa, e o premiê dos demais assuntos de governo, mas Raffarin é visto como um mero fantoche de Chirac. Segundo a imprensa francesa, o favorito para substituir Raffarin é o atual ministro do Interior e ex-chanceler, Dominique de Villepin. O presidente do partido de Chirac (UMP), Nicolás Sarkozy, que é rival do presidente e possível candidato em 2007, pediu uma "guinada maior nas políticas econômica e social", sem dar detalhes. Isso soa a mais gasto público e mais intervencionismo estatal, o que deve causar nervosismo nos mercados. A França vai superar neste ano o limite de 3% de déficit fiscal previsto pelo pacto do euro, e a economia deve crescer apenas 1,5%. Mas a crise política não atinge só a direita. O principal partido de oposição, o Socialista, também defendia a aprovação da Constituição. Ainda assim, a maior parte (59%) dos eleitores socialistas não seguiram a orientação do partido e votaram contra. Isso mostra uma erosão da autoridade da direção socialista e pode abrir um processo de reformulação interna. Os vencedores deste referendo foram os dois extremos do espectro político: a Frente Nacional (extrema direita) e o Partido Comunista (extrema esquerda), que se opuseram à Constituição. Além deles, houve dissidências tanto nos partidos de governo como no PS (sendo a mais importante a do ex-premiê Laurent Fabius). Segundo pesquisa do canal de TV TF1, o principal fator que levou os franceses a rejeitarem a Constituição foi o temor de desemprego, que já atinge 10,2% da população economicamente ativa. Isto é, os franceses querem proteção. E desconfiaram que essa Constituição européia iria em uma outra direção.