Título: A União Européia e o dragão
Autor: Bernard Bot
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Opinião, p. A11

UE conta com a China na promoção de diálogo sobre questão nuclear com a Coréia

Neste mês, China e União Européia assinalam 30 anos de relações oficiais. Durante esse período, as mudanças ocorridas na China e na natureza dessas relações foram dramáticas. Mas como evoluirão as relações ao longo dos próximos 30 anos? A China e a UE se tornarão concorrentes ou parceiras? Muitos desafios confrontam a China e a UE. Os primeiros são econômicos. O desenvolvimento da China nos anos recentes tem sido magnífico. O crescimento acelerado, porém, sempre gera turbulência, que a China precisará minimizar e administrar. À medida que o país se integra à economia mundial deve sustentar o crescimento ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e reduz a desigualdade e a pobreza. Estas são tarefas desanimadoras, e a China não pode se ocupar delas sozinha. Realmente, o desenvolvimento sustentável representa um desafio tanto para a China como para a Europa. Afinal, o fator decididamente mais importante para determinar se nossos filhos e netos gozarão vidas seguras, saudáveis e produtivas é se os ecossistemas naturais do mundo sobreviverão às pressões aplicadas sobre eles pela civilização moderna. Um relatório recente da ONU alertou que já entramos na zona do perigo. Muitos ecossistemas terrestres e marítimos correm risco de serem destruídos para sempre, com efeitos que são difíceis de prever. Um aspecto negativo do crescimento acelerado da China é sua demanda crescente por energia e o aumento das emissões de dióxido de carbono que a acompanham. A China está se transformando rapidamente em uma das maiores importadoras de petróleo e gás do mundo. O Panorama da Energia Mundial de 2004 da Agência Internacional de Energia prevê que, entre agora e 2030, a demanda global por energia crescerá em aproximadamente 60%, com China e Índia representando cerca de dois terços deste aumento. Investimentos enormes - equivalentes a trilhões de dólares - serão necessários para atender às exigências de energia globais. O mesmo relatório alerta que, se não mudarmos os nossos procedimentos, as emissões mundiais de dióxido de carbono crescerão exponencialmente. Assim sendo, será necessário o advento de uma nova fase na cooperação ambiental internacional, com a contribuição ativa da China. Naturalmente, a China claramente tem um direito - como qualquer país - de prospectar a energia, os minerais e outros recursos de que necessita. Uma falta de cooperação, porém, poderá resultar em preços de petróleo e gás mais altos que o necessário e, talvez, em uma derrota na batalha contra a mudança climática. Isso significa que a China precisa tratar a mudança climática e o uso inteligente da energia como prioridades nas suas políticas nacionais. Para além das questões econômicas, a China precisa tranqüilizar os outros países de que o seu despertar não fará o mundo estremecer. Assim, ao formular suas políticas, a China também precisará vender essas políticas a uma audiência global. A maioria dos europeus acredita que a China deseja ser uma modeladora - não uma contestadora - de uma ordem mundial equilibrada, de Nações Unidas mais vigorosas e de um sistema multilateral eficaz. Na aldeia global, no entanto, as percepções equivocadas podem ocorrer com grande facilidade - e podem infligir grandes danos.

Relacionamento entre as duas potências abrange, fora questões econômicas, temas como o combate ao terrorismo e à pirataria

O papel importante da China no tocante às ambições nucleares da Coréia do Norte é um bom exemplo do exercício de responsabilidade para a segurança e a estabilidade internacionais. A comunidade internacional conta com a China para promover esse papel com vigor. Se necessário, o país precisará usar a sua influência de forma ainda mais afirmativa para trazer Pyongyang de volta à mesa de negociações. Obviamente, essa solução precisa ser condizente com as propostas e interesses chineses: uma península coreana sem armamentos nucleares e que tenha o apoio da UE. Existem oportunidades para um papel construtivo chinês em outros lugares. Depois de ter concluído um acordo de energia de dez anos com o Irã, a China está em uma posição de apoiar os esforços da UE de evitar a proliferação nuclear num momento em que a União apóia os esforços da China referentes à Coréia do Norte. A questão não se restringe apenas ao Irã, também envolve a ameaça de uma corrida armamentista nuclear por todo o Oriente Médio. Os interesses chineses são atendidos por um Oriente Médio marcado por cooperação regional. Contamos com o apoio continuado da China para os esforços europeus e americanos voltados para assegurar que o programa nuclear do Irã permaneça restrito a propósitos puramente civis. A Europa e o mundo também estão monitorando a forma como a China administra temas de direitos humanos internos. A UE saudou a inclusão, no ano passado, da seguinte cláusula na constituição chinesa: "O governo respeita e protege os direitos humanos do povo". Mas o que interessa são os fatos. Na Cúpula UE-China, discutimos os planos do governo chinês para a ratificação do Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Um assunto que a China precisará abordar é liberdade de credo. A obrigação de registro preliminar das comunidades religiosas é discriminadora. A ratificação do Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - e as conseqüentes mudanças nas leis e práticas chinesas - poderá ajudar a garantir estabilidade social e política na China, estimular o diálogo entre o país e a UE, e aumentar a autoridade moral da China. Chegou a hora de substituir o antigo acordo de cooperação entre a União e a China, que remonta a 1985. Nosso relacionamento evoluiu de um vínculo predominantemente econômico a um elo que inclui o combate ao terrorismo, pirataria e crime organizado, assim como muitos outros temas. É necessário ter um diálogo estruturado - que inclui o setor privado, tão intimamente envolvido no desenvolvimento da China - sobre energia, desenvolvimento sustentado e meio ambiente. Precisamos enxergar os problemas ambientais e a escassez de energia pelo que realmente representam: ameaças à humanidade como um todo. Sem dúvida, a China considerará a UE um parceiro duro de negociação. A UE estabelece uma série de condições para cooperação com outros países. Alguns temas não são negociáveis, pois são os pilares do modelo europeu que procuramos compartilhar com o mundo. Eles incluem a democracia e o império da lei, o respeito pelos direitos humanos e o meio ambiente, não-proliferação de armas de destruição em massa e das suas formas de lançamento, e a campanha contra o terrorismo. Os padrões políticos da UE são elevados, porém os frutos da cooperação são doces. Se equacionarmos os nossos problemas comuns conjuntamente, China e Europa poderão ser instrumentais na transformação do século XXI em um século de esperança.