Título: O Iraque e as decisões irracionais
Autor: Philip Coggan
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2004, Opinião, p. A-9

Não havia armas de destruição em massa no Iraque. E a situação da segurança em Bagdá, embora não seja uma catástrofe total, dificilmente pode ser qualificada como caminhando segundo os planos. Para algumas pessoas, essas conseqüências são resultado direto das "mentiras" de líderes políticos dos EUA e do Reino Unido. Mas é igualmente possível explicar as ações dos políticos à luz dos traços psicológicos popularizados pelo campo de estudo do comportamento de atores financeiros. Estudos comportamentais demonstraram que as pessoas não se comportam como o "homem racional" tão caro aos modelos econômicos. As pessoas não avaliam calmamente todas as alternativas e escolhem a solução ótima. Em vez disso, usam "regras práticas" que as permitem tomar decisões rápidas e driblar as complexidades. Essas regras criam idiossincrasias em nossa tomada de decisões. Aparentemente, não haveria razões pelas quais o político médio estaria imune a esses viéses. Afinal, há pessoas inteligentes nos mercados financeiros - e até mesmo elas podem cometer erros gritantes. Para início de conversa, há o viés da confirmação. Se as pessoas têm uma opinião definida, elas tendem a buscar evidências que confirmem seu ponto de vista e a descartar fatos que o contradigam. No fim da década de 90, investidores acreditavam em todas as histórias otimistas sobre o potencial de lucratividade da internet. Aqueles que pensavam diferente, como Warren Buffett, bilionário americano, eram "dinossauros", e simplesmente estavam "por fora". Da mesma forma, líderes políticos acreditaram nos relatos de exilados iraquianos e de outras fontes que diziam que Saddam Hussein ainda tinha armas de destruição em massa. Eles descartaram a postura mais cautelosa de outros, como Hans Blix, inspetor da ONU, acreditando que esses analistas eram cautelosos ou ingênuos. Um segundo traço identificado no estudo comportamental de atores financeiros, e também demonstrado por líderes políticos, é excesso de confiança. A maioria das pessoas acredita ser um motorista acima da média. Elas exibem também excesso de confiança em relação à dimensão de seus conhecimentos gerais. Um teste, descrito no livro "Bubbles e How to Survive Them", de John Calverley, pediu que pessoas estimassem a extensão do rio Nilo. Em vez de pedir um número exato aos entrevistados, pediu-se a eles que dessem uma faixa de valores sobre a qual tivessem 90% de confiança. Em vez de opinarem com uma faixa muito ampla, os consultados apontavam faixas estreitas, e mais de 10% delas estavam erradas. No mundo dos investimentos, essa confiança excessiva faz as pessoas acreditarem em sua capacidade de tomar decisões bem-sucedidas. Por isso, compram e vendem seus papéis com excessiva freqüência. Esse problema afeta especialmente os homens. Estudos revelam que as mulheres, em conseqüência, investem melhor. Os líderes políticos foram excessivamente confiantes em sua capacidade de avaliar os relatórios de inteligência, na capacidade de suas Forças Armadas de controlar a situação de segurança no Iraque depois da invasão e no impacto do conflito na opinião pública islâmica.

Estudos comportamentais demonstraram que as pessoas não agem como o "homem racional" tão caro aos modelos econômicos

Outro problema que pode ter afetado a elite política é "ancoragem". Nos mercados financeiros, o termo se aplica à fixação em um determinado nível de preço, seja o preço ao qual o papel foi comprado ou sua alta histórica. Os investidores mostram-se relutantes em vender, a menos que um ou o outro seja ultrapassado. Esse comportamento de ancoragem pode relacionar-se a eventos passados, em vez de vincular-se a um número. Generais sofrem da síndrome do "mire-se na guerra anterior". No começo da Primeira Guerra, a maioria das pessoas esperava um conflito curto e fluido, comparável à guerra entre a Áustria e a Prússia em 1866. Na realidade, o desenvolvimento da metralhadora e do arame farpado deram vantagem às forças defensivas. Depois da guerra, os franceses construíram a linha Maginot em preparação para outro conflito defensivo, mas o desenvolvimento de aviões e tanques deram vantagem às forças atacantes. Em 2002-2003, os políticos ficaram fixados na idéia de que, como Saddam Hussein tivera armas de destruição em massa no passado, ele obrigatoriamente ainda as possuiria. No caso dos EUA, George W. Bush pode ter se ancorado no "erro" cometido por seu pai, ao não ter eliminado Saddam na primeira Guerra do Golfo. O traço comportamental final compartilhado pelos políticos americanos e britânicos é denominado síndrome de aversão a prejuízos. Os investidores relutam em vender suas posições no vermelho, porque isso os obrigaria a admitir terem cometido um erro. Em vez disso, mantêm essas posições, na esperança de que, em algum momento, os mercados lhes darão razão. Analogamente, os políticos mostram-se relutantes em tirar seus militares do Iraque, porque isso sugeriria sua própria falibilidade, e o fato de que, em conseqüência, muitas vidas foram perdidas (e muito dinheiro gasto). Os eleitores podem dizer que gostariam que os políticos admitissem quando cometem erros, mas, na prática, qualquer líder que aja assim estaria dando um presente a seu adversário. Parece melhor persistir na mesma política, na esperança de que "alguma coisa mude". A única maneira de escapar do problema dos "prejuízos incorridos" é mudança de pessoal. Empresários encarregados de projetos por eles concebidos e operando com prejuízo mostram-se relutantes em abortá-los, mas os sucessores sentem-se à vontade para cancelá-los, sabendo que a administração anterior ficará com a culpa. Administradores de fundos regularmente descartam a maior parte dos portfólios de predecessores. Diferentemente de empresários e administradores de fundos, porém, os políticos precisam ser eleitos para seus cargos. Quando se tratam de guerras, eles têm de caminhar cautelosamente, por recearem ser qualificados de "impatrióticos" - basta ver a posição equívoca de John Kerry, na parte inicial de sua campanha, sobre a política de Bush em relação ao Iraque. Talvez seja nisso que o comportamento dos políticos seja diferente da maneira de agir dos investidores: os políticos quase sempre acabam arcando com alguns dos prejuízos incorridos por seus antecessores.