Título: PIS e Cofins têm 56 normas desde 2002
Autor: Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2004, Especial, p. A-10
Três pareceres tributários diferentes. O que poderia ser a resposta para as dúvidas de uma multinacional francesa sobre o PIS e a Cofins teve um resultado frustrante. No início deste ano, a empresa contratou três consultores na tentativa de esclarecer uma questão sobre a aplicação da Cofins que, dependendo do resultado, renderia mais competitividade à empresa e um faturamento anual maior. Apesar dos cerca de R$ 60 mil gastos com os pareceres, a multinacional não seguiu nenhum dos conselhos profissionais, que eram completamente diferentes. Adotou o que chamou seu diretor tributário de "bom senso". A situação descrita é apenas um exemplo da confusão tributária que grande parte das empresas brasileiras vive, um reflexo das inúmeras alterações na legislação brasileira. Não é para menos. Desde 2002 - quando foi criada a não-cumulatividade do Programa de Integração Social (PIS) - até hoje foram editadas e publicadas pelo menos 56 normas, entre leis, medidas provisórias, decretos, instruções normativas e atos declaratórios que tratam do tributo e também da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). "Cada norma nova recebe um remendo, e com isso criam-se situações que dão margem a dúvidas e textos confusos", afirma a advogada Silvania Tognetti, sócia do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. Esse emaranhado de medidas é hoje um quebra-cabeça que não é claro nem para os especialistas e muito menos para as empresas. As dificuldades vão desde o simples preenchimento de uma guia de recolhimento, passando pelo cálculo dos tributos até ao que gera crédito ou não. Além do custo maior para os empreendimentos, que passaram a ter gastos mais altos com seus departamentos fiscais. As interpretações distintas do PIS e da Cofins são comuns entre especialistas, mas também nas próprias unidades fiscais da Receita Federal, que tem posicionamentos contrários em alguns casos. São as unidades da Receita que respondem as chamadas soluções de consultas dos contribuintes. Um levantamento da empresa Branco Consultores realizado em três regiões fiscais da Receita Federal (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro/Espírito Santo) dá uma pequena mostra das dúvidas crescentes das empresas. De acordo com a pesquisa, entre outubro e dezembro de 2002 (mês em que o PIS não-cumulativo entrou em vigor) o número de consultas respondidas nessas regiões foi de 212, das quais 35 eram sobre PIS e Cofins. Já em 2004, nos meses de março, abril e maio - época em que a Cofins não-cumulativa já havia entrado em vigor - o número de consultas respondidas correspondeu a 361, das quais 29,1%, ou 105, eram sobre as duas contribuições. Apesar de serem de períodos diferentes, a pesquisa mostra o antes e o depois da não-cumulatividade do PIS e Cofins e um crescimento de 200% no total de questões respondidas. Na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a situação não é diferente. De acordo com a assessoria jurídica da entidade, de abril a setembro deste ano o número de consultas realizadas ao departamento por associados aumentou cerca de 60% em relação ao mesmo período do ano passado. Além do crescimento, PIS e Cofins passaram a figurar como os tributos mais presentes nas consultas. Até o ano passado, as contribuições dividiam espaço com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No caso da multinacional francesa- que prefere não ser identificada -, existia a dúvida se, aos contratos firmados antes de 31 de outubro de 2003, aplicaria-se a alíquota antiga de 3% da Cofins ou a de 7,5% criada em dezembro do ano passado com o sistema não-cumulativo. Como a lei não é explícita quanto às especificidades de seus contratos, a empresa preferiu aplicar a alíquota maior para todos os contratos, mesmo que isso represente a possibilidade futura da perda de clientes e competitividade. "A última coisa que queremos é risco fiscal", afirma o diretor tributário. E, por medo de abrir informações para a concorrência, a empresa prefere não fazer uma consulta formal à Receita, já que o procedimento é nominal. Foto: Rogerio Pallatta/Valor
O diretor tributário da Fenadib, Marco Antônio Pinto de Faria: mudanças afetam os negócios e aumentam os gastos
O diretor tributário da Federação Nacional das Empresas Distribuidoras Vinculadas aos Fabricantes de Cerveja, Refrigerante e Água Mineral (Fenadib), Marco Antônio Pinto de Faria, afirma que tantas mudanças em um curto período de tempo afetam os negócios, aumentam os gastos e dificultam até o fechamento dos balanços das empresas. Segundo ele, as dúvidas sobre a legislação são inúmeras. Em relação aos 500 associados da entidade, por exemplo, ele diz que há divergência quanto à interpretação do artigo da Lei nº 10.865/04 - referente à Cofins - que, entre outros pontos, vedou às empresas o aproveitamento dos créditos da depreciação do ativo imobilizado adquirido até 30 de abril. Para os bens comprados posteriormente, o crédito da depreciação foi mantido. Faria afirma que há quem entenda que a regra valeria a partir 1º de maio, ou seja, nessa data a empresa já não poderia mais aproveitar os créditos das aquisições realizadas antes de 30 de abril. E há, por outro lado, as empresas que entendem que o direito ao benefício iria até agosto. Isso em razão da chamada regra da noventena, que estabelece o prazo de 90 dias para que aumentos de tributos entrem em vigor. Como não existe um esclarecimento oficial sobre a questão, ele afirma que há empresas que aproveitaram os créditos e outras mais conservadoras que não - pararam no dia 1º de maio. "Isso dentro de um mesmo setor é complicado, porque cria um desequilíbrio financeiro grande entre as empresas conservadoras e as não-conservadoras", afirma. Segundo a advogada Gláucia Lauletta Frascino, do escritório Mattos Filho Advogados, o que se vê hoje, de uma forma geral, são três tipos de empresas: aquelas que, na dúvida, preferem não assumir qualquer risco perante o fisco e tomam medidas conservadoras; aquelas que assumem riscos, mesmo com a possibilidade de serem autuadas pela Receita; e as que aguardam a resposta de uma consulta, ainda que demorada, ou entram na Justiça. Segundo o superintendente da Associação de Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná, Adriano da Silva Dias, neste ano a entidade já promoveu cinco reuniões sobre as mudanças nas contribuições, enquanto em 2003 foram apenas duas. "Contratamos especialistas no assunto para que eles esclareçam as dúvidas dos associados", afirma. Para Dias, o inconveniente de toda essa confusão é que a usina poderá recolher tributos a mais ou a menos e futuramente vir a ser autuada. "É importante conhecer com clareza as obrigações para recolher corretamente, mas em razão de tantas alterações isso está difícil", afirma. Para o ex-secretário da Secretaria da Receita Federal, Everardo Maciel, essas mudanças constantes do PIS e da Cofins tornaram os tributos mais complexos, e, portanto, trouxeram maior vulnerabilidade à evasão e elisão fiscal. O advogado Roberto Salles acredita que esse é um dos efeitos mais óbvios de tantas alterações e remendos. "A distância entre as pessoas que elaboraram as normas e os fiscais é muito grande, e até se difundir e uniformizar o entendimento correto de tudo isso, demora", afirma Salles. Para o advogado, a empresa pode deixar de recolher ou recolher incorretamente o tributo por não compreender a legislação ou até mesmo pela Receita não responder imediatamente sua dúvida. Procurada pelo Valor, a Receita Federal não se pronunciou sobre o tema. (Colaborou Josette Goulart)