Título: O Estado ativo de Serra
Autor: Otoni, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2010, Economia, p. 14

ELEIÇÕES DE 2010

Candidato tucano à presidência promete uma política econômica ¿menos dogmática¿ e crescimento duradouro

O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, 68 anos, fundamentará o pronunciamento que fará no encontro nacional do PSDB, DEM e PPS, no sábado, em Brasília, no slogan ¿O Brasil pode mais¿ e no conceito ¿Estado ativo¿(1). Inspirado no ¿we can¿ (nós podemos) da vitoriosa campanha eleitoral de Barack Obama em 2007, ¿O Brasil pode mais¿ é a mensagem que os tucanos supõem curta, de impacto e que transmite ao eleitor a promessa de um futuro mais promissor que o proporcionado pelos ganhos atuais da estabilidade. A diretriz é gerencial e, ao falar do ativismo do Estado, Serra sustentará que o interesse coletivo está órfão e que ele é o administrador capaz de conduzir o Brasil na travessia para um ciclo de crescimento duradouro. Serra não manifesta a intenção de alterar a atual estrutura macroeconômica, formada pelo tripé das políticas de meta de inflação, câmbio flutuante e economia do setor público para o pagamento dos juros da dívida (superavit primário). Por outro lado, baseado em seu posicionamento e em declarações recentes, o tucano, se eleito, modificará a gestão da macroeconomia para, conforme informam seus colaboradores, trabalhar com uma ¿política econômica menos dogmática¿ e direcionada a um ajuste fiscal mais austera, com ênfase em política industrial.

Câmbio e juros

Em uma administração Serra, a moeda brasileira não deverá seguir no atual nível de valorização. O debate sobre a política cambial, ressaltam os tucanos, é delicado, mas isso não significa que o regime de câmbio flutuante não possa ser ajustado. O próprio Serra, em declarações recentes, classificou a taxa de câmbio do país como ¿megavalorizada¿. ¿O Brasil está, de alguma maneira, numa armadilha, que tem três lados: os maiores juros do mundo, já há muitos anos; a taxa de câmbio talvez hoje a mais valorizada do planeta; e uma explosão de gastos correntes como nunca houve em valores reais¿, disse ele em dezembro em entrevista à revista do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). E segue em seu pensamento: ¿Não há necessariamente esse dilema, estabilidade versus desenvolvimento. Na verdade, a diferença existe em relação a políticas macroeconômicas, e não à estabilidade. Só posso dizer o seguinte: em nenhum dos preceitos do Consenso de Washington figura a ideia de que para desenvolver o país você precisa megavalorizar a moeda. Isso é simplesmente um erro, não é ortodoxo nem heterodoxo¿, acrescentou. A política monetária deverá também ser ajustada. A ideia, apontam os tucanos, é trabalhar ¿com taxas de juros mais realistas¿. A avaliação no PSDB é de que o câmbio ¿megavalorizado¿, combinado com ¿os juros mais altos do planeta¿, retira a competitividade das empresas e mantém o país em uma ¿armadilha¿ do baixo crescimento. Para Serra, não há uma fórmula única de gerenciar a macroeconomia. ¿Talvez tenha sido eu mesmo que qualifiquei pela primeira vez de tripé a combinação da responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação, definido no segundo mandato do Fernando Henrique. Mas, veja bem, não há uma única maneira de se implantar e fazer funcionar esse tripé¿, disse, na mesma entrevista ao Cebrap, em uma indicação de que as políticas podem ser modificadas. De perfil gerencial e tido como centralizador, o economista José Serra tem garantido que é preciso preservar as condições de sustentabilidade do crescimento e dos ganhos de consumo no médio e no longo prazos.

BC e privatização

Em uma gestão Serra não há garantia de que o Banco Central desfrutará de autonomia operacional. Responsável por calibrar a taxa básica de juros (Selic) para regular a atividade econômica (e determinar o maior ou menor crescimento do país) e entregar uma inflação baixa (a meta anual é de 4,5%), o BC tem hoje um dirigente forte, Henrique Meirelles, com status de ministro e que recebeu carta branca de Lula. Por isso, esteve sob pressão dos empresários e em confronto com a equipe de Guido Mantega, no Ministério da Fazenda. Serra, que durante o governo FHC criticou o monetarismo do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, pode preferir um BC menos forte em comparação à autoridade monetária de Lula. Para responder ao ataque da candidatura de Dilma Rousseff (PT), de que uma administração PSDB-DEM-PPS seria a de um ¿Estado mínimo dos neoliberais¿, os tucanos argumentam que o PT se contradiz. ¿O discurso do PT trabalha com uma contradição que não existe mais, Estado ou mercado. Essa é uma falsa questão, uma falsa opção. É preciso um Estado ativo com políticas públicas de qualidade para o conjunto da sociedade para que o Estado e o setor privado possam prosperar. Há coisas que somente o Estado pode fazer e que somente o Estado pode liderar, isso é ativismo governamental¿, explica o deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES). Considerado um dos formuladores do PSDB, Vellozo Lucas informa que a agenda econômica de Serra será focada na competitividade das empresas e simplificação tributária. A intenção, diz, é eliminar impostos indiretos incidentes sobre produtos e serviços. Na gestão da máquina pública, Serra não proporá uma reforma administrativa, mas defenderá que o Estado precisa ampliar sua capacidade de investimento e que isso será feito mediante a revisão de gastos. Na regulação financeira, o entendimento é de que os bancos precisam ampliar a oferta de dinheiro a pessoas físicas e a empresas. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) reforça que o conceito ¿Estado ativo¿ será a chave da proposta tucana. ¿O Estado terá papel importante. Isso não quer dizer um Estado meramente regulador. É um Estado que desburocratiza, que corrige imperfeições e que é o indutor mais forte da infraestrutura¿, frisa. Jereissati lembra que, em algum momento da disputa pelo comando do Palácio do Planalto, em outubro próximo, o tema privatização será discutido. ¿Não fugiremos desse debate¿, avisa. O candidato tem pela frente uma semana de mobilização para o encontro nacional do PSDB-DEM-PPS. O objetivo é reunir governadores, prefeitos, deputados e vereadores dos partidos que sustentam a aliança, unificar o discurso em âmbito nacional e se descolar da imagem de um administrador restrito a São Paulo. Para isso, proporá medidas focadas na redução das desigualdades regionais.