Título: A âncora social de Dilma
Autor: Otoni, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2010, Economia, p. 15

ELEIÇÕES DE 2010

Escolhida por Lula para representar o PT na disputa pelo Palácio do Planalto, a ex-ministra defende o Estado indutor

Com uma campanha totalmente amparada na popularidade do presidente Lula, a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, 62 anos, fundamenta sua proposta de governo no eixo das políticas sociais combinadas com o investimento em infraestrutura. Certa do acesso direto ao eleitorado lulista, ela transmite a mensagem de que os benefícios para a baixa renda serão preservados, as verbas para grandes empreendimentos públicos serão mantidas e os estímulos ao setor privado serão formulados a partir de uma orientação nacionalista. A diretriz é social, na qual a economia é o pilar da estabilidade. Em um eventual governo Dilma, a proposta é a do Estado indutor e realizador de obras. Esse conceito, a candidata deixou claro na apresentação da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quando classificou de ¿Estado mínimo e omisso¿ a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) entre 1995 e 2002, tentando colar em Serra a imagem de neoliberal. ¿Foi o Estado mínimo dos neoliberais que nos antecederam e que ficou conhecido pelas dificuldades de tudo aquilo que deixou de cumprir, porque era Estado do não: não planejava, não fortalecia as empresas públicas, não promovia alianças com o setor privado, não protegia o setor privado diante da crise, não incrementou o investimento público e não financiou o investimento privado. E, antes de ser Estado mínimo, foi um Estado omisso. Depois assistimos, no governo Lula, à construção do Estado indutor, que cria as condições para que as coisas sejam feitas, ao mesmo tempo em que cobra dos agentes econômicos que as coisas sejam bem feitas porque isso é o papel do Estado¿, afirmou a então ministra-chefe da Casa Civil em evento do PAC, dando o tom do enfrentamento a José Serra (PSDB).

Inflação e juros

Com perfil gerencial e membro forte da administração federal, Dilma entregou o cargo na última quarta-feira para se dedicar à campanha com a promessa de fazer uma gestão que aprofunde as políticas de Lula. Os parâmetros macroeconômicos projetados para seu governo foram elaborados pelo Ministério da Fazenda e passaram pelo crivo do secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, um formulador do PT que teve participação importante na reeleição de Lula em 2006. Não se deve descartar a possibilidade de ele deixar a Fazenda para contribuir na campanha atual e, em caso de vitória, ser alçado à presidência do Banco Central. Sem considerar solavancos na economia mundial e os efeitos disso no Brasil, a candidata vende uma imagem de céu de brigadeiro para empresários e trabalhadores. Ela defende que o país registrará crescimento médio de 5,5% entre 2011 e 2014. Esse também tende a ser, segundo ela, um período de ampliação dos investimentos, que partiriam de 19,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, chegando a 21,5% em 2014. Igualmente otimista é a previsão para a redução da despesa com o pagamento de juros da dívida pública, que cairia de 4,3% do PIB em 2011 para 2,9% em 2014. Essa análise positiva ¿ que compõe os parâmetros do programa de infraestrutura PAC 2, um dos pilares da campanha petista ¿ omite, no entanto, as projeções para a inflação em 2012, 2013 e 2014. A alegação é de que essa estimativa é uma atribuição do Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual fazem parte os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central e cujas últimas indicações se esgotam em 2011. Ao não expor a sua visão sobre a variação de preços no país, ao mesmo tempo em que lança um programa de obras(1) de R$ 958,9 bilhões e formula um conjunto dos outros parâmetros (investimento, crescimento, dívida, deficit do setor público), a candidata petista torna difícil a análise sobre a viabilidade do cenário favorável traçado para os próximos anos. A interpretação é de que, ao omitir a previsão para a inflação, ela se reserva a possibilidade de ajustar a política de metas com o intuito de não se comprometer com um percentual baixo que exija sacrificar o maior crescimento da economia por meio da elevação dos juros.

Orgulho do líder

Assim como José Serra, Dilma Rousseff não manifesta intenção de alterar a estrutura do tripé de políticas macroeconômicas. Em seu pronunciamento no encontro nacional do PT, que a aclamou a candidata do partido na disputa presidencial, foi transparente na mensagem do continuísmo. ¿O objetivo é dar continuidade à obra de um grande brasileiro, de um líder, meu líder e de quem tenho muito orgulho, o presidente Lula¿, propôs. Ela se posicionou, mas sem fornecer detalhes das suas intenções: ¿Vamos manter o equilíbrio fiscal, a política de inflação e de câmbio e seguiremos dando transparência ao gasto público¿. Por outro lado, em uma análise do comportamento da ex-ministra quando ela se opôs à proposta de reforço da política fiscal (maior economia do gasto público para pagar juros da dívida) apresentada pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chega-se a um perfil mais desenvolvimentista que fiscalista. Em função disso, pode vir a preferir um aumento mais forte dos gastos públicos para acelerar o crescimento em vez de usar a política de juros para calibrar o nível de atividade. Pode, ainda, optar por fazer do Banco Central um órgão atrelado ao Ministério da Fazenda e limitado em sua autonomia operacional para calibrar a taxa básica de juros (Selic).

Promessas de reforma

Para o petista e governador de Sergipe, Marcelo Déda, no que ser refere à economia, o embate das candidaturas Dilma e Serra se dará em torno do conceito do Estado e de suas atribuições. Ele afirma que nesse debate não adiantará ao ex-governador apresentar suas realizações em São Paulo, em uma insinuação de que, no enfrentamento dos dois candidatos, estarão em jogo os modelos de governo de Lula e de Fernando Henrique e seus resultados na economia e na vida das pessoas. ¿E, também, vai ser muito difícil para o PSDB se desfazer do manto de privatista na companhia do DEM¿, adverte. A proposta de governo de Dilma também tem por foco o planejamento público, o fortalecimento das estatais e a criação de novas companhias públicas (como a indústria de fertilizantes e a retomada da Telebrás). A política industrial tende a ser elaborada a partir de uma orientação nacionalista de produção interna, a exemplo da tentativa de fazer com que o país produza toda a infraestrutura necessária para explorar as reservas de petróleo do pré-sal. De forma genérica, compromete-se em realizar as reformas, mas ainda sem fornecer detalhes sobre se assumirá as difíceis mudanças na Previdência Social e na carga tributária.