Título: Governo e oposição iniciam duelo pelo controle da CPI
Autor: Maria Lúcia Delgado e Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2005, Política, p. A5

Renan Calheiros nega acordo para dividir relatoria e presidência da comissão entre PT e PMDB

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou o dia ontem analisando cenários e ouvindo relatos de ministros e líderes partidários sobre a recente crise política gerada pela denúncia de suposto esquema de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que culminou na criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) dos Correios. Até ontem, o Palácio do Planalto ainda não tinha uma única estratégia traçada para orientar os aliados, mas havia pelo menos um alerta: os aliados não entrariam em "bola dividida", segundo expressão usada por um interlocutor do presidente. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, reunia-se com todos os líderes da Câmara, até o fechamento desta edição, na casa do líder do PP, deputado José Janene (PR). O governo orientará suas ações a partir da avaliação dos líderes do que será possível aprovar no Congresso. Lula conversou isoladamente com ministros, entre eles José Dirceu (Casa Civil) e Rebelo. A ordem do presidente a seus auxiliares é que evitem trazer a CPI para dentro do governo, ou seja, que tratem da questão no Congresso, até para evitar desgastes políticos ainda maiores. A primeira ação do governo será na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde será votado um recurso do deputado João Leão (PL-BA) que considera a CPI inconstitucional por não especificar, em seu requerimento de criação, um fato gerador. A votação pode ocorrer nesta semana. O governo estava dividido ontem. Parte dos líderes considera que é melhor articular esforços políticos e aprovar logo o recurso de João Leão na CCJ, acabando com a CPI. O problema é que se o requerimento for aprovado na CCJ, ele precisa ser votado em sessão conjunta do Congresso . Se não tiverem certeza da aprovação no plenário, vão adotar um plano B. Essa segunda opção seria votar o recurso na CCJ mudando o texto, e estabelecendo um único fato gerador da CPI, que seria a investigação de denúncias apenas nos Correios. O governo, desta forma, pretende restringir as investigações e evitar que outras estatais tenham suas dinâmicas vasculhadas. Ficou decidido também ontem que somente depois de superada a questão na CCJ é que os governistas vão indicar os membros da CPI. Por enquanto, vão deixar o tema em banho maria. Apenas os partidos oposicionistas e o PP no Senado já indicaram os integrantes da Comissão. O presidente do Senado, Renan Calheiros, tem a prerrogativa de indicar os membros da CPI caso os partidos não o façam. Calheiros sinalizou ontem que vai dar fôlego ao governo para decidir o que fazer. "Não há prazo estabelecido no regimento para que os partidos façam as indicações. Vamos aguardar o bom senso", disse o presidente do Senado. Segundo Calheiros, o governo pode aguardar uma decisão na CCJ para só depois indicar os membros da CPI. "Não entendo que isso seja uma manobra protelatória", defendeu. Segundo relato de líderes governistas ao Valor, o governo continua sim empenhado em barrar a CPI. A avaliação é que não há como controlar uma CPI, mesmo que o alvo das investigações seja restrito. Também não há dúvidas de que a disputa eleitoral de 2006 é o centro da questão e a situação do governo é bastante delicada. O líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PA), confirmou a indefinição do governo para tratar a CPI dos Correios. "Vamos sentar todos os líderes amanhã (hoje) e sentir o clima, mas uma coisa eu garanto: vamos usar todos os meios regimentais possíveis", disse. Rocha afirmou que no momento a tendência é tentar direcionar o foco das investigações apenas nas denúncias dos Correios, mas não descarta a possibilidade de defender na CCJ a tese de que toda a CPI é inconstitucional. "A primeira guerra vai ser conseguir a inversão de pauta, para que esse recurso seja votado antes dos outros pontos da CCJ, e então vamos tentando todas as possibilidades", disse. Ele deixou claro que só depois da batalha na CCJ indica os membros da CPI. Um outro impasse será a definição da presidência e da relatoria da CPI. O governo quer indicar membros para os dois postos, mas a oposição insiste que seja respeitada a tradição do Congresso. Por essa tradição, que reflete apenas um acordo político, e não uma regra escrita, caberia ao maior partido do Senado (no caso o bloco PSDB/PFL) indicar o relator e ao maior partido da Câmara (o PT) indicar o presidente. Calheiros negou que PMDB e PT estejam negociando a formação de um bloco no Senado para ter a prerrogativa de indicar também o relator. O efeito desse bloco, na verdade, seria negativo para o governo. O regimento estabelece que presidente e relator não podem ser da mesma Casa (numa CPI mista) e nem do mesmo partido. "Não entendo, sinceramente, que a formação de um bloco resolva algo", disse Calheiros. "Se não houver acordo para a eleição do presidente da CPI, os partidos escolhem (no voto) e cabe a ele (o presidente) escolher o relator", explicou Calheiros. "Sabemos que a partir de agora é guerra. Cada ponto será uma batalha", admitiu Paulo Rocha. O presidente do Senado convidou líderes da oposição para uma conversa hoje. Calheiros pretende intermediar um acordo. Vai avisar à oposição que se não for maleável, pode perder os dois cargos. O governo, no voto, elege o presidente (possivelmente um senador do PMDB) e esse, em conseqüência, indica um deputado do PT para a relatoria. Os oposicionistas reagiram à intenção do governo de ocupar os dois postos centrais da CPI. "Se formos escolher o presidente no voto, estarão quebrando acordo. E não é um acordo qualquer. Nada mais será negociado aqui", alertou o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN). (Colaboraram Raymundo Costa e Taciana Collet, de Brasília)