Título: Países do sudeste da Ásia dão a volta por cima
Autor: Marcos Caramuru de Paiva
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2005, Opinião, p. A10

Área é uma das mais dinâmicas do mundo, dez anos após a crise

Quase dez anos após uma crise que surpreendeu mercados e instituições multilaterais, o sudeste da Ásia volta a ser uma das áreas mais dinâmicas do mundo. Em 2004, só os países do eixo Malásia-Cingapura-Tailândia cresceram, em média, acima de 7% e a Indonésia 5,1%. Não surpreende. O PIB mundial teve o melhor desempenho dos últimos 30 anos e o comércio internacional, fonte importantíssima de riqueza para a região, cresceu quase 9%. Além disso, a Malásia e Cingapura beneficiaram-se com os preços do petróleo. O petróleo explica também porque a Tailândia (que é importadora) cresceu menos que os demais, quando em 2003 registrou o melhor desempenho. Descontada a realidade externa, os fatores que impulsionaram o sudeste asiático até a metade dos anos 90 estão lá consolidados: poupança acima de 35% do PIB, setor privado especializado em bens e serviços com grande demanda no mundo moderno (turismo, eletrônicos), mão de obra relativamente barata e capacitada em inglês, flexibilidade na legislação trabalhista e ausência de problemas, comuns nos países ocidentais, como os relacionados à seguridade social. Na Malásia, para citar um exemplo, empregado e empregador contribuem para um fundo de poupança que o empregado é obrigado a retirar quando se aposenta, aos 55 anos. Não há conta previdenciária. A estrutura familiar garante proteção ao cidadão na velhice. É um dado cultural. A região também tem desafios. O endividamento do setor público aumentou desde 1997, o peso do consumo interno no crescimento é baixo, os mercados de capitais precisam se desenvolver. Ao lado disso, a reduzida flexibilidade do regime cambial em algumas economias pode ter efeitos colaterais. Os governos discutem e formulam políticas para ampliar os seus próprios mercados e depender menos de exportações, reduzir gastos, o que é sempre difícil quando a poupança é abundante, e conferir maior eficiência à transformação da poupança em investimentos, evitando que o excesso de poupança acabe remetido ao exterior. À parte dos desafios econômicos, a diversidade étnica, cultural e religiosa na região é tema sempre presente. Requer medidas rigorosas para lidar com riscos, como o terrorismo, e demanda diálogo permanente.

Questão a ser resolvida é como gerar estímulos necessários para quebrar a tendência da região ao fechamento

Mas quando se olha hoje o sudeste da Ásia e, de resto, todo o leste asiático, o que mais impressiona é o crescente grau de interação. Dirigem-se ao leste da Ásia mais de 60% das exportações de Cingapura e cerca de 55% das exportações da Malásia e Tailândia. Os quadros indonésio e filipino não são muito diferentes. Os temores de que a China pudesse competir com a produção regional e deslocá-la de mercados estão superados. Seis dos oito maiores parceiros comerciais da China estão no leste da Ásia, a China tem um déficit comercial com todos os países do sudeste asiático. No espírito de fomentar ainda mais os fluxos, a China e a Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) concluíram, em dezembro passado, um acordo que levará à liberalização da maior parte do comércio em 2012. Estão na pauta futura da Asean acordos com o Japão, a Coréia e, numa extensão ao sul da Ásia, também com a Índia. No mundo financeiro, os projetos são ambiciosos. Há cerca de duas semanas os países do sudeste asiático mais China, Japão e Coréia anunciaram que vão elevar a US$ 70 bilhões o volume de recursos do seu fundo regional para assistir países com dificuldade de balanço de pagamentos. Constrói-se o que muitos chamam de fundo monetário asiático. Os bancos centrais operam um sistema de compra regular, sem fronteiras, de títulos públicos, que mobiliza cerca de US$ 2 bilhões, funciona bem e é gerido por administradores independentes. Estão-se finalizando os entendimentos sobre os chamados bônus asiáticos: papéis de dívida de empresas privadas que poderão ser vendidos em qualquer país da região. Ao lado disso, há um trabalho em curso para identificar 100 empresas na área da Asean que possam livremente comercializar suas ações em qualquer bolsa de valores, sem a necessidade de manter presença física nos locais das bolsas. Medidas dessa natureza vão levar o setor privado a montar estratégias de captação focadas na disponibilidade regional de poupança e abrir fontes de recursos para as empresas dos países menores (Vietnã, Camboja, Laos, Myanmar) onde não há um mercado de capitais em funcionamento. É difícil avaliar em que medida o processo de introspecção do sudeste asiático vai afetar, no longo prazo, sua relação com o resto do mundo. Sempre existirão oportunidades em outras regiões e elas serão vistas com pragmatismo. Além disso, os Estados Unidos são e continuarão a ser um parceiro comercial de peso por muito tempo. Receitas geradas no comércio com os EUA ainda deverão ser investidas na economia americana, apesar da preocupação dos bancos centrais de diversificar a moeda de aplicação de suas reservas. A questão é como gerar os estímulos necessários para quebrar a tendência ao fechamento, aumentar a exposição das economias do sudeste asiático ao resto do mundo e o grau de conhecimento das oportunidades existentes na região. Há diferenças nos modelos de gestão política e econômica no sudeste da Ásia e na América Latina, mas há também muito em comum. Os grandes desafios do desenvolvimento - montar instituições que funcionem com eficiência, melhorar a qualidade do quadro regulatório, implementar estratégias de política social num contexto de desníveis de renda muitas vezes agudos, garantir, com recursos limitados, o suprimento adequado de energia, transporte comunicações, fomentar o mercado de capitais - têm grande similaridade. Somos talvez as duas únicas regiões do globo onde economias majoritariamente de renda média e de diferentes dimensões estão tendo sucesso para integrar-se, como no Mercosul e na Asean. No sudeste da Ásia, a Malásia acaba de lançar a idéia de integração da rede de infraestrutura, linha muito próxima à que hoje está em curso na América do Sul. Se as experiências em distintos campos puderem ser mais compartilhadas e se os setores privados souberem aproveitar as oportunidades de comércio e investimento todos terão muito a ganhar.