Título: Argentina ampliou foco de salvaguardas
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2005, Especial, p. A12

Proposta entregue no início de maio para Palocci pediu prazos mais longos de proteção

A Argentina decidiu endurecer com o Brasil na disputa pela instituição de salvaguardas no Mercosul. A nova proposta do país vizinho prevê prazos mais longos, entre dois a três anos, para a vigência das salvaguardas nos setores nos quais mais de 70% das empresas são de pequeno e médio porte. Essa definição engloba a maioria dos segmentos onde o conflito com o Brasil é acirrado: calçados, autopeças, brinquedos e confecção. A nova proposta argentina foi entregue por escrito pelo seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci, no início de maio, quando o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, esteve em Brasília para a Cúpula América do Sul-Países Árabes. O governo brasileiro ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas a Argentina espera uma resposta durante a visita de Palocci e do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a Buenos Aires em 13 de junho. Ao invés de buscar um consenso, a Argentina insiste em um "gatilho" cambial e macroeconômico para a adoção automática das salvaguardas, informam fontes argentinas e brasileiras. Isso significa que as salvaguardas, que podem ser cotas ou tarifas, seriam adotadas sempre que as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois países forem muito diferentes durante um período, ou a variação da cotação entre as moedas (peso e real) ultrapassar um percentual a ser definido. Segundo fontes que tiveram acesso à proposta, o novo documento é mais sucinto que o anterior (que explicitava sugestões da Argentina sobre prazos e percentuais), mas mantém o princípio do "gatilho", que enfrenta fortes resistências no governo e no setor privado brasileiros. "Foi uma posição de força, para aumentar a pressão e levar o Brasil a ceder", diz uma fonte do setor privado argentino. A instituição de salvaguardas no Mercosul é uma antiga demanda da Argentina, que o governo Kirchner encampou com vigor. A primeira proposta sobre o assunto foi entregue à diplomacia brasileira pelo próprio Lavagna em setembro de 2004. A idéia dividiu o governo e o meio empresarial. Enquanto o Itamaraty e a assessoria da Presidência da República defendiam que a proposta era melhor que medidas unilaterais adotadas sem critério, o Desenvolvimento e parcelas do setor privado eram contra, porque as salvaguardas feriam o espírito do bloco. O Desenvolvimento prefere manter a comissão de monitoramento do comércio, que administra acordos setoriais privados de restrição voluntária das exportações. A diplomacia brasileira optou por postergar uma resposta definitiva sobre o tema e, em fevereiro desse ano, respondeu apenas com um série de princípios que deveriam ser observados, repetindo regras já previstas pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Analistas avaliam que essa indefinição aumenta a tensão entre os países. Insatisfeitos, os argentinos subiram o tom com duras críticas do chanceler do país, Rafael Bielsa, ao Brasil para, em seguida, entregar a nova proposta de salvaguardas. Uma fonte do Itamaraty reconhece que existe uma preocupação legítima do governo argentino com as pequenas e médias empresas, que teriam o direito a um prazo maior de vigência das salvaguardas. Para setores com predomínio de grandes empresas, a salvaguarda vigoraria por prazos entre seis meses e um ano. Só que, na avaliação do Ministério das Relações Exteriores, é importante negociar quais critérios dividirão as empresas por porte. "Dependendo da definição, pode beneficiar só a Argentina", diz uma fonte. Na média, as empresas brasileiras são maiores que as argentinas. Os diplomatas vêem como um ponto positivo o fato do governo argentino não ter reapresentado o "protocolo de investimentos". Considerado inaceitável pelo Brasil, o documento era um espécie de código de conduta que previa um distribuição geográfica eqüitativa dos investimentos das empresas. A nova proposta argentina também considera itens levantados pelo Brasil. Ela prevê um plano de investimentos para os setores protegidos pela salvaguarda, como colocado pela OMC. Mas há dúvidas sobre os recursos para os investimentos. A Argentina não possui uma instituição como o BNDES e o default da dívida restringe ao financiamento privado.