Título: Parceria contra o trabalho escravo
Autor: Oded Grajew
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2004, Empresas, p. B-2

Siderúrgicas do Pará e do Maranhão assinaram, no dia 13 de agosto, no auditório do Ministério Público do Trabalho, em Brasília, um compromisso de combate ao trabalho escravo em sua cadeia produtiva, particularmente na produção de carvão vegetal. O documento histórico é resultado de uma articulação promovida pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, a partir de denúncia apurada pelo Observatório Social. Em junho, a revista desta organização publicou a reportagem "Escravos do aço", relatando o drama dos trabalhadores das usinas de carvão vegetal no norte do Brasil, sem salário, alimentação ou água potável. Estes carvoeiros estão entre os 25 mil brasileiros que, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), vivem em regime de trabalho escravo. Aliciados nos municípios mais pobres do país, são levados para fazendas distantes, vivem em péssimas condições e têm negados seus direitos trabalhistas fundamentais. Via de regra, são submetidos à escravidão por dívida, tendo que arcar com despesas de transporte, alimentação e moradia, sempre superiores à suposta remuneração que corresponderia ao seu trabalho. Para evitar sua fuga, sofrem intimidações constantes e a permanente vigilância de "seguranças" armados. Tal situação, que viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT, está presente na base de uma cadeia produtiva que movimenta anualmente 400 milhões de dólares somente na Região Norte. O carvão vegetal é usado como matéria-prima na produção de ferro-gusa, liga de ferro e carbono de larga aplicação na indústria automobilística, por exemplo. O ferro-gusa brasileiro é considerado o melhor do mundo, e os investidores buscam na Amazônia brasileira a abundância do minério de ferro, a extensa floresta e a mão-de-obra barata. Sensibilizada com a situação relatada na reportagem do Observatório Social, a Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica), que congrega as 13 sediadas no Maranhão e no Pará, onde se concentram as carvoarias ilegais, também se mobilizou para pôr fim a esta exploração, porque reconheceu que é responsável pelo que ocorre nos elos de sua cadeia produtiva. Contatada pelo Instituto Ethos, aceitou conversar com entidades sindicais, de defesa dos direitos humanos, organismos internacionais e instituições governamentais para a elaboração de uma carta-compromisso pelo fim do trabalho escravo na cadeia siderúrgica nesta parte do Brasil. Assim, este diálogo construtivo entre órgãos governamentais e sociedade civil tornou possível o compromisso expresso no documento assinado no dia 13 de agosto. Deste documento constam: o monitoramento das carvoarias, a definição de um cronograma de regularização das relações de trabalho e a imposição de restrições comerciais a empresas da cadeia produtiva que utilizem mão-de-obra escrava. O acordo também prevê a realização de campanhas de prevenção ao aliciamento dos trabalhadores e a análise, daqui a um ano, dos resultados alcançados pelo compromisso.

Os carvoeiros têm todos os seus direitos negados

O objetivo final desta iniciativa é ir além e incentivar os membros de outras cadeias produtivas marcadas pelo trabalho escravo a se comprometerem com o combate desta prática. O primeiro passo é assumir que ela existe. A omissão apenas agrava o problema e adia sua solução. Por isso, não se trata de cuidar apenas do próprio negócio: as empresas socialmente responsáveis devem combater a existência de trabalho degradante por todos os elos da cadeia produtiva a que pertencem. Afinal, a promoção de valores fundamentais nas áreas de direitos humanos, trabalho e meio ambiente são imprescindíveis para realizar uma gestão empresarial sustentável, e isso envolve seus fornecedores, clientes e outros parceiros. Reconhecendo o papel das empresas na erradicação do trabalho escravo, o Pacto Global - programa das Nações Unidas que sugere a adoção de 10 princípios básicos pelas empresas -, prevê a eliminação de formas indignas de trabalho dentro da esfera de influência de cada corporação. A promoção do trabalho decente também é preocupação expressa pela ONU nas Metas do Milênio, que traçam oito objetivos para garantir um mundo melhor: "acabar com a fome e a miséria", "educação básica de qualidade para todos", "igualdade entre sexos e valorização da mulher", "reduzir a mortalidade infantil", "melhorar a saúde das gestantes", "qualidade de vida e respeito ao meio ambiente", e "todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento". Por isso, cumprimento as entidades que, junto com o Instituto Ethos, assinaram a carta-compromisso, pelo pioneirismo e coragem demonstrados. São elas: Asica, em nome de suas associadas, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro; Federação das Indústrias do Estado do Paraná; Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; Sifema - Sindicato da Indústria do Ferro-Gusa do Estado do Maranhão; e mais: Instituto Observatório Social, Confederação Nacional do Metalúrgicos / CUT, Instituto Carvão Cidadão. Como testemunhas: Tribunal Superior do Trabalho (TST); Ministério Público do Trabalho (MPT); Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC); Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE); Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae); Associação dos Juízes Federais (Ajufe); Associação Brasileira dos Advogados do Trabalho (Abrat); Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT); e Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como se vê, a participação efetiva das empresas e organizações empresariais é fundamental para que o trabalho escravo seja definitivamente extinto no país. O compromisso assumido pelas siderúrgicas do norte do País representa um passo importante rumo a este objetivo. Afinal, somente a parceria entre poder público e sociedade civil é capaz de abolir esta prática, com a qual nenhuma empresa pode aceitar conviver.