Título: O péssimo sinal do forte recuo dos investimentos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2005, Opinião, p. A10

A política monetária do Banco Central mostrou a que veio - a economia desacelerou ainda mais no primeiro trimestre. Os números referentes ao Produto Interno Bruto indicam que ela cresceu apenas 0,3% no período, ante o trimestre anterior, e 2,9% em comparação com idêntico período de 2004. Pela primeira vez desde o início de 2001, caem ao mesmo tempo o consumo das famílias, do governo e dos investimentos. Embora o BC buscasse a desaceleração, sua intensidade é uma variável que ele não pode controlar a priori. O dado mais preocupante foi a forte queda dos investimentos. Em relação ao último trimestre de 2004, eles declinaram 3%. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, a Formação Bruta de Capital evoluiu 2,3%. O recuo é significativo, diante do comportamento dos trimestres anteriores (segundo, terceiro e quarto de 2004), que apontavam saltos de 7,5%, 11,5% e 10,9%. Há dois trimestres a taxa de investimentos vem caindo, o que indica que a política monetária está corroendo a capacidade futura de expansão da economia sem sobressaltos inflacionários. "Ao invés de ampliação da capacidade produtiva, mantém-se congelado o produto potencial que, por sua vez, realimenta as expectativas de pressões inflacionárias no futuro, quando (e se) as taxas de juros forem reduzidas", afirma David Kupfer, em sua coluna no Valor de ontem, ao comentar as consequências da alta dose de juros acompanhada de valorização cambial. Os sinais de desaquecimento eram evidentes e esperados para todos aqueles que têm experiência na avaliação de números e tendências. Um jornal paulista chegou a esbravejar contra os fatos, atribuindo os sinais de desaquecimento a um misto de paranóia e ignorância. O otimismo pode ser tão mau conselheiro quanto o pessimismo. Em um dos editoriais, esse jornal chegou a qualificar de "percepção míope a curva supostamente descendente do investimento". Repetiu a dose em outro editorial, criticando os que apontam a "falsa idéia de que o crescimento econômico está arrefecendo". A conclusão rasgava em praça pública manuais de economia, ao abolir os efeitos das mais altas taxas de juros reais do mundo. "Não se sustenta o argumento de que os juros, embora gravosos para as contas públicas, estejam esfriando a economia. O ciclo da produção e do consumo não dá sinais de enfraquecimento". Ao final, não se sabe a que país o jornal estava se referindo. Com base no comportamento claramente declinante das atividades econômicas, as projeções de crescimento estão recuando para a fronteira dos 3% em 2005. As apostas se concentram em uma melhoria no segundo trimestre, da qual há apenas sinais localizados - as vendas das indústrias paulistas e fluminenses subiram em abril. O que garantiu o pequeno crescimento do PIB no primeiro trimestre foi, pelo lado da oferta, a expansão de 2,6%, sobre o trimestre anterior, da agricultura, e, pelo lado da demanda, as exportações, com avanço de 3,5%. Apesar da valorização cambial, as exportações devem continuar fortes no segundo trimestre, ao passo que a contribuição da agricultura deve ser menor do que foi pelos efeitos da quebra da safra no Sul. A incógnita maior é o comportamento do consumo das famílias, que vem perdendo força há três trimestres - e caiu nos primeiros três meses de 2005. O aumento de 15,38% no salário mínimo, para R$ 300, dará um empurrão na renda e um efeito positivo adicional pode ser esperado do recuo da inflação, que já começou a aparecer nos índices e deve se firmar a partir de junho. Por outro lado, a perspectiva é a de que o crescimento da indústria - 3,1% no primeiro trimestre de 2005 ante o de 2004 - seja inferior ao do ano passado, o que não favorece uma evolução significativa da massa salarial ou do emprego. Por enquanto, a dose de juros freou a economia a uma velocidade provavelmente ao redor dos 3% ao ano. A derrocada da inflação, ajudada pela valorização cambial, abrirá espaço para o início de um ciclo de queda dos juros que pode melhorar o desempenho das atividades no final do ano e início de 2006. Isso pode ocorrer desde que o BC não decida manter a taxa Selic atual por "um período prolongado de tempo" e evite o desatino de promover mais um aumento de juros na reunião de junho do Copom. Pelos seus próprios critérios, a taxa atual já foi suficiente para colocar as previsões de inflação abaixo da meta para 2006 e dissipar eventuais pressões decorrentes de um suposto excesso de demanda incompatível com o limite de tolerância da meta para 2005. Se não mudar de posição no campo dos juros, o BC condenará o país a mais um ano de crescimento medíocre.