Título: Engessar investimentos não estimula poupança interna
Autor: Alfredo Neves Penteado Moraes
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2005, Opinião, p. A10

IR deve incidir no resgate das aplicações, não a cada troca de lastro

Nestes tempos de conceitos fast food, padronizados e de qualidade questionável, nós, formuladores e reguladores, fomos instados a achar meios de induzir a formação de uma poupança financeira de mais longo prazo. Como sempre, as soluções "clássicas" rapidamente esquecem o objetivo e enfatizam a métrica, ou seja, despreocupam-se com o que se pretende extrair do alongamento, do ponto de vista macroeconômico, e passam a se concentrar em meios de influir na prática e nos mecanismos de contabilização dos agentes, de forma a obter estatísticas, mesmo que pouco significantes, que evidenciem o aumento do prazo das aplicações financeiras individuais, como se esta fosse a meta a ser perseguida. A ação que propusemos e aprovamos confirma esta regra. Ao instituir uma complexa norma de tributação dos rendimentos das operações financeiras, privilegiamos com alíquotas decrescentes de Imposto de Renda os que não mudam de ativos no prazo de um a dois anos e, para compensar, punimos com uma alíquota maior os que trocam de posições em prazos inferiores a 180 dias. Teoricamente, ao prejudicar uns e beneficiar outros, influenciamos o comportamento do investidor, melhorando os indicadores de prazo médio. Mas será que economicamente ganhamos alguma coisa? Formar poupança financeira interna de longo prazo certamente é um objetivo relevante e louvável. Para atingi-lo, devemos avaliar as perspectivas e peculiaridades dos atores envolvidos no processo e, uma vez definido o que é valor para esses grupos, chegar a um arcabouço regulamentar que o institucionalize. Para o emissor (tomador dos recursos), prazos maiores ajudam a viabilizar projetos de mais longa maturação, pois diminuem a incerteza, conciliando o fluxo do retorno esperado pelo uso daqueles recursos com as demandas dos financiadores. Do lado do investidor (fornecedor dos recursos), a ótica é a de perenizar fontes de renda por meio do investimento provisório ou permanente em projetos de terceiros que apresentem boa relação risco-retorno, vis-à-vis as alternativas disponíveis. A tarefa de unir as duas pontas exige empreendedores com projetos atrativos e investidores com uma avaliação favorável dos riscos que assumem. Este tem sido o desafio permanente dos agentes financeiros, razão de sua própria existência. Para viabilizar e maximizar esta interação, fomentamos um mercado secundário ativo, capaz de encontrar, a cada momento, os investidores com as menores demandas de retorno ante o risco apresentado. Com variado leque de instrumentos e entidades complementares, as instituições financeiras criam condições para o fracionamento do risco de um determinado ativo, tanto na sua dimensão intertemporal quanto no que toca aos vários tipos de risco subjacentes que o compõem. A divisão e a subseqüente recombinação em carteiras diversificadas melhoram a distribuição do risco e, desta forma, diminuem o peso de sua percepção individual, viabilizando e conciliando interesses das partes. Pura ciência e aplicação de estímulos racionais voltados à maximização da satisfação dos envolvidos. Desta realidade, surge claro que políticas de indução ao engessamento da relação credor-devedor não colaboram para a ampliação dos prazos e dos volumes transacionados, pelo fato de que não atingem a essência econômica dessa interação, que é a mitigação de risco pela combinação dinâmica de interesses complementares dentro de um ambiente mutável e imprevisível.

Mudança freqüente de posição entre aplicações financeiras é irrelevante e deveria até ser estimulada

Por outro lado, sabemos que aplicações financeiras facilmente monetizáveis e com valor presente pouco mutável têm potencial inflacionário, dada sua condição de quase moeda. No Brasil, diferentemente de outros países, os ativos financeiros com tais características, mesmo que de longo prazo, já eram abundantes. Agora, estimulados por uma legislação tributária indutora, assumem perfis ainda mais alongados, sem, no entanto, perder a alta liquidez, pressionando a formação dos preços e exigindo, como contrapartida, uma política monetária mais atuante (leia-se juros altos). Não fosse o potencial inflacionário, todos reconheceríamos a importância de um mercado secundário estruturado e atuante que viabilizasse o financiamento de longo prazo, por meio do aumento da liquidez e da certeza do valor desses instrumentos durante sua existência. O que se pretende evitar, portanto, é o uso de ativos financeiros como quase moeda, circulando com desenvoltura e baixo custo de transação pelo setor real da economia. Neste contexto, a troca freqüente de posição entre aplicações financeiras é irrelevante e deveria até ser estimulada. A idéia da Conta Investimento já embute tal concepção: não há incidência da CPMF na troca de posições, mas sim na transferência da conta corrente para a de investimento. Este tipo de enfoque vai no caminho certo e poderia ser aprofundado com a mudança da tributação sobre ganhos financeiros. O ideal seria que o IR de fonte passasse a incidir no momento do resgate dos valores aplicados da Conta Investimento para a corrente, e não a cada troca de lastro, como ocorre hoje, inclusive com incentivos de redução de alíquota concedidos de acordo com o prazo de permanência dos recursos no mercado financeiro. Neste formato, o estoque de imposto diferido tenderia a crescer ao longo do tempo, desestimulando o uso dos recursos em alternativas não financeiras, dadas as perspectivas de ganho pela própria postergação do imposto e pela redução de alíquota, em função da fluidez do prazo do investimento original. Paralelamente, o fato de não se cobrar imposto a cada aplicação, mas sim conforme o resultado combinado dos vários instrumentos utilizados ao longo do prazo em que permanecerem no mercado financeiro, permitiria a formação de um perfil de investimento mais agressivo, pois eventuais perdas diminuiriam a base de imposto a pagar de outras transações, facilitando a montagem de carteiras de maior risco isolado, mas de menor risco consolidado. Como vemos, se o que pretendemos é estimular a formação de uma poupança financeira interna de longo prazo por meio da tributação, a vinculação desta vantagem à aplicação em determinado ativo financeiro por um período prolongado não produzirá os efeitos pretendidos. É nosso dever, portanto, repensar esta medida.