Título: Balanços do consumo mostram retração
Autor: Carolina Mandl
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2005, Empresas &, p. B3

Companhias que dependem do mercado interno tiveram resultados piores no trimestre

O desempenho das empresas de bens de consumo, varejo e construção começa a mostrar tendência de distanciamento em relação às exportadoras e às companhias com preços dolarizados ou tarifados. Levantamento feito pelo Valor Data indica que o resultado do primeiro trimestre das 38 empresas listadas em bolsa que dependem basicamente do bolso do brasileiro para vender ficou bem abaixo das demais 167 companhias, refletindo o menor consumo . O lucro líquido desses setores mais ligados ao mercado interno cresceu apenas 5,6% no primeiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2004, enquanto as demais empresas registraram uma elevação de 80,3%. "Na maior parte dos casos, o crescimento continua existindo em relação ao ano anterior, mas em ritmo menor para as empresas de consumo", afirma Marcelo Mesquita, estrategista do UBS. Mesmo mais modesto, o resultado maior das companhias de bens de consumo, varejo e construção foi puxado em boa medida pelo reajuste de preços, o que não ocorreu em 2004. A AmBev viu o consumo de bebidas crescer 10,2% em volumes no Brasil, enquanto a receita subiu 21,8%. O faturamento da fabricante de toalhas Karsten encolheu 2,4%, mas em toneladas a queda foi de 15,3%. A margem bruta das companhias desse grupo melhorou de 38,8% no primeiro trimestre de 2004 para 40,9% neste início de ano. Mas esse movimento de preços em elevação não deve continuar neste trimestre. Isso porque, em volumes, o ritmo de vendas para os brasileiros já foi bastante contraditório entre empresas do mesmo ramo. "O mercado já não absorveu bem o repasse de preços muito bem no primeiro trimestre. Se as empresas insistirem, abrem espaço para um concorrente que talvez não adote a mesma estratégia", diz Ricardo Kobayashi, chefe de pesquisa do Pactual. Enquanto a Santista Têxtil teve uma receita interna 13,3% maior nos primeiros três meses de 2005, os volumes ficaram 16% maiores. Já sua concorrente Vicunha viu as vendas cresceram pouco, de R$ 295,4 milhões para R$ 300,5 milhões. Em calçados, o cenário se repetiu. O número de pares de calçados vendidos pela Grendene caiu 3,4%, mas a receita subiu 6,8%. Já na São Paulo Alpargatas os preços subiram 13%, e o volume para o mercado interno, outros 13%. Mas mesmo quem conseguiu vender mais para os brasileiros neste início de ano não está muito confiante de que este trimestre terá resultados excepcionais. "O mercado interno não está nenhuma maravilha", afirmou Josué Christiano Gomes da Silva, presidente da Coteminas, durante a divulgação dos resultados da empresa que vendeu 47% para os brasileiros. A indústria têxtil Buettner afirma em seu relatório que "os juros altos deverão restringir o aumento de vendas no mercado interno". Santista e Vicunha manifestaram a mesma interpretação de cenário em entrevistas recentes ao Valor. Por causa da disparidade de comportamento entre as empresas, até mesmo os analistas - que vivem de fazer previsões - estão mais cautelosos em relação aos resultados deste trimestre. "Por enquanto, só é possível dizer que o ano será menos bom do que se esperava. No lugar de um crescimento de dois dígitos, as empresas de consumo devem crescer apenas um neste ano", explica Kobayashi. Alguns sinais dessa perspectiva um pouco mais nebulosa começam a aparecer. Em abril, o grupo Pão de Açúcar viu as vendas encolherem 8,7% em termos reais (descontada a inflação) na comparação com o mesmo mês de 2004. Mesmo descontado o efeito da Páscoa, o estrategista Mesquita, do UBS, acredita que a cadeia de supermercados é um claro sinal de desaceleração. Na construção, o ritmo mais lento se reflete nos planos das incorporadoras de colocar mais apartamentos à venda. A Gafisa, do GP Investimentos, está postergando os lançamentos previstos para este ano porque notou um ritmo mais lento de vendas neste trimestre. "Estamos em um período morno para os negócios. O consumidor está à espera para ver o que acontece com a taxa de juros", avalia Luiz Claudio Nascimento, diretor-presidente da Gafisa. A retração ocorreu mais a partir de abril, já que no primeiro trimestre as vendas cresceram 29%, para R$ 82,3 milhões. A Vicunha também percebeu vendas mais fracas a partir de maior. "Estamos sendo fortemente afetados pela queda do poder de compra do consumidor com os juros mais altos", diz Vital Jorge Lopes, diretor financeiro da Vicunha.