Título: Estatal ainda vive indefinição sobre importações da Bolívia
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2005, Empresas &, p. B9
Com o agravamento da crise política na Bolívia, aumentam as dúvidas sobre os efeitos reais para o Brasil da aplicação da nova lei de Hidrocarbonetos, que entre outras medidas, estabelece prazo de 180 dias para revisão de 72 contratos de exploração e produção de gás firmados com as petroleiras em 1996. Maior investidora no país vizinho, a Petrobras é de longe a empresa mais afetada pela mudança, já que terá aumento da carga tributária sem a possibilidade, ainda, de repasse desses custos. Na estatal, há mais esperança do que certeza de que o contrato de importação de gás (Gas Supply Agreement, ou GSA, como é conhecido), firmado entre a Petrobras e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), será cumprido. A principal garantia hoje é o peso que a receita da venda do gás ao Brasil tem para o combalido estado boliviano. Em uma eventual queda de braço, o Brasil perderia muito, porque montou toda uma estrutura econômica no Sudeste e Sul do país baseada no consumo do gás boliviano, mas a Bolívia perderia ainda mais se deixasse de receber os dólares decorrentes da venda do produto. "O GSA é um dos contratos mais importantes do ponto de vista de integração energética do Cone Sul e é essencial para o Brasil. Por isso não vemos absolutamente nenhum prejuízo para o Brasil com a nova lei. Pelo menos não no que se refere à importação de 30 milhões de metros cúbicos de gás", disse uma fonte do governo brasileiro. Apesar de estar agindo de modo discreto com relação ao assunto, pelo menos em público, fontes da Petrobras admitem que a estatal ainda não tem nenhuma segurança com relação ao futuro desse contrato ou sobre a situação dos seus ativos naquele país, já que a lei determina, de forma genérica, que as refinarias de petróleo passam a ser bens de utilidade pública. Ocorre que a Petrobras é dona das duas únicas refinarias no país. Segundo avaliação da diretora associada da Cambridge Energy Research Associates (Cera), Sophie Aldebert, a situação atual da Bolívia pode resultar em "qualquer coisa" no atual momento em que o país vive. "Hoje na Bolívia o racional-econômico não é importante. Tudo está muito politizado e temos que aguardar para saber o que vai acontecer", afirma. Certa disso, a Petrobras tratou de, pelo menos, colocar em banho-maria seus novos projetos com o país vizinho, o maior dos quais é o pólo gás-químico da fronteira (sociedade com a Brasken), com investimentos próximos a US$ 1,5 bilhão. Um fato incontestável é que atualmente os consumidores do gás boliviano não têm qualquer garantia de que aquele país vai se manter como uma fonte confiável de suprimento de gás para a região, o que eleva os riscos de crise energética notadamente para a Argentina, Chile e, em menor grau, para o Uruguai. O Brasil pode ser menos afetado à medida que acelerar o desenvolvimento de suas reservas na bacia de Santos. Em suma, a Bolívia precisa muito mais do Brasil do que o inverso. Esse recado já foi dado aos bolivianos pelo assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, em visita a La Paz no mês passado. Paulo Maurício Campos, gerente de investidores individual da área de relações com investidores da Petrobras, confirmou ontem que a empresa está revendo seus investimentos e projetos na Bolívia. "Estamos esperando uma melhor definição do cenário político porque o problema lá não é só esse aumento do (imposto) de 18% para 50% (na lei de hidrocarbonetos), mas a crise política do país. Estamos esperando para ver como fica. Por enquanto, em termos de abastecimento, de importação do gás da Bolívia para o Brasil, está normal e não estamos tendo problema nenhum", afirmou o executivo ontem, em palestra no Rio.