Título: Contrato de trabalho e o uso da não-concorrência
Autor: Marcus Vinicius Mingrone
Fonte: Valor Econômico, 02/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Não há previsão legal de proteção das empresas nas hipóteses onde o contrato de trabalho esteja rescindido"

É sabido que o inevitável processo econômico de globalização e o avançado desenvolvimento tecnológico veio acirrar o nível de competitividade entre as empresas. Nesse contexto, o que antes poderia ser interpretado como mero detalhe passou a ser fundamental para a vida do negócio empresarial, a ponto de, hoje, ninguém mais contestar a importância de se manter em sigilo segredos, técnicas utilizadas e estratégias, fatores que os empregados passam a ter conhecimento durante a vigência do contrato de trabalho. Note-se que tais fatores revestem-se de imprescindível valor mercadológico para as empresas e são o resultado de relevantes investimentos e de pesquisas. Assim, o ponto crucial a ser tratado não diz respeito ao conhecimento subjetivo do profissional, consistente nos seus conhecimentos e habilidades técnicas e intelectuais, os quais este já tinha quando passou a integrar os quadros da empresa, mas sim das informações e do conhecimento profissional adquirido na constância do contrato de trabalho, que são de propriedade da empresa. Na Europa, grande parte dos países possui, em seu ordenamento jurídico, leis comerciais e trabalhistas permeando essas relações sobre propriedade intelectual. A mesma coisa acontece nos Estados Unidos, por meio de leis estaduais. Nestes países, permitiu-se às empresas elaborarem cláusulas restritivas de liberdade para o empregado, especialmente após o término da relação de emprego. Durante a vigência do contrato de trabalho, é certo que o empregado passa a ser conhecedor dos segredos, das técnicas utilizadas e das estratégias da empresa, o que, destarte, nem poderia ser diferente, pois o contrato de trabalho está pautado exatamente na confiança entre empregado e empregador. Contudo, na constância no contrato de trabalho, a lei trabalhista brasileira tutela a preservação de tais segredos, na medida em que prevê a demissão do empregado, por justa causa, por concorrência desleal e por violação de segredo da empresa. Não há, entretanto, previsão legal de proteção dos bens imateriais das empresas para as hipóteses onde o contrato de trabalho esteja rescindido. Diante dessa lacuna, reputamos ser plenamente plausível nos socorrermos do direito comparado, segundo orientação contida no artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com isso, poderíamos nos utilizar de farta doutrina estrangeira que não só autoriza a estipulação das cláusulas restritivas como também institui certos requisitos necessários a sua contratação. Não obstante ao dispositivo legal supracitado, não podemos nos furtar quanto à existência do artigo 444 da CLT, que permite a livre estipulação contratual entre as partes, desde que respeitadas as disposições legais existentes. Neste sentido, podemos concluir que a estipulação no contrato de trabalho de cláusulas de não-concorrência e de confidencialidade não pode ser havida como contrária à disposição legal, eis que a legislação trabalhista é omissa sobre o assunto e sua instituição tem como finalidade a proteção do patrimônio intelectual das empresas. Inaceitável, portanto, a corrente doutrinária protecionista que, com base em uma interpretação restritiva do disposto no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, entende que a cláusula de não-concorrência e/ou de confidencialidade é lesiva aos interesses do trabalhador. Vale lembrar que este preceito constitucional não é absoluto e não pode ser interpretado como impeditivo ao estabelecimento das referidas cláusulas, uma vez que estas se prestam a resguardar, por um determinado lapso temporal, os bens de propriedade imaterial da empresa que podem ser usados em seu desfavor, caso seu ex-empregado vá trabalhar em uma empresa que exerça atividades idênticas, afins ou semelhantes. De outra parte, vem se formando, ainda que timidamente, entendimento jurisprudencial e doutrinário admitindo a possibilidade de estipulação no contrato de trabalho de cláusula de não-concorrência e de confidencialidade, desde que observados alguns aspectos - trazidos do direito comparado - elementares e irrefutáveis para que se atribua validade jurídica à respectiva pactuação, quais sejam: a cláusula deve ter limitação temporal e geográfica para a restrição da concorrência; deve obedecer a interesse legítimo, ou seja, ser aplicada apenas para aqueles trabalhadores, geralmente de alta hierarquia, que detêm acesso às informações que possam vir a causar dano a empresa caso sejam reveladas; preveja indenização ao empregado; preveja de multa pecuniária por descumprimento de qualquer das partes. Assim, verifica-se que a estipulação de cláusula de não-concorrência e/ou de confidencialidade tem respaldo legal em sentido amplo. No sentido estrito, efetivamente carece de amparo legal, à míngua de disposição expressa sobre a validade de tais compromissos pactuados após o término da relação empregatícia. Entretanto, cabe um alerta: é necessário que o legislador se atente para a realidade e regulamente a questão aqui abordada.