Título: Fabricante teme "apagão florestal"
Autor: André Vieira
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2004, Empresas, p. B-6

As indústrias de papel e celulose estão se organizando para evitar o "apagão florestal", a escassez de madeira em áreas plantadas. O risco não é iminente, mas as grandes empresas estão buscando meios para impedir, a médio prazo, a falta de matéria-prima no Brasil. As empresas pleiteiam a redução de entraves ambientais e formas de estímulos para o financiamento do plantio de árvores associada à uma política florestal mais favorável ao setor. Companhias, como a Votorantim Celulose e Papel (VCP), já estudam a possibilidade de compra de terras em outros países. A discussão do "apagão florestal" dominou praticamente toda a apresentação da reunião anual da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel à imprensa. "Existe no mundo uma tendência crescente de escassez de madeira", disse o presidente do conselho da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Boris Tabacof. O executivo, que também preside o comitê consultivo de florestas da FAO, chamou a atenção para a necessidade do plantio de árvores como forma de garantir a competitividade do setor brasileiro. A indústria de papel e celulose planeja investir US$ 14,4 bilhões entre 2003-2012, dos quais US$ 1,9 bilhão serão destinados a ampliar as áreas florestais. Calcula-se que, dos 5 milhões de hectares de reservas florestais existentes no Brasil, cerca de 1,5 milhão de hectares forneça madeira ao setor. A idéia é dobrar a área de cultivo. Para tentar mudar o cenário, as empresas formaram uma entidade que cuida das florestas plantadas como forma de agir a favor destas áreas. As indústrias de papel e celulose também criaram uma frente parlamentar para aprovar leis a seu favor no Congresso. A ameaça de escassez de madeira já foi levada aos principais ministros da área e também ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "A Aracruz praticamente esgotou suas possibilidades florestais", disse o diretor-presidente da companhia, Carlos Aguiar. Ele disse que a empresa terá de fazer um novo ciclo de investimentos em florestas. Aguiar avalia que a nova fase terá de contar com a inclusão de pequenos fazendeiros, que poderão obter uma renda adicional com o plantio de árvores. Ele cobrou, contudo, uma política oficial. "Se não houver mudança rápida para o financiamento de pequenos fazendeiros, teremos certamente um cenário de apagão florestal", disse o executivo. Aguiar afirmou que grandes empresas têm condições financeiras de manobrar o problema, mas enfatizou que setores como o moveleiro já convivem com a escassez de madeira, cujos preços aumentaram 70% em dois anos. Nos cálculos do setor, para cumprir a meta de crescimento das áreas florestais, a demanda por financiamento seria superior a US$ 3 bilhões. Para aumentar o acesso, algumas empresas passaram formar parcerias com famílias assentadas pelo programa oficial de reforma agrária. Trata-se também de uma resposta das empresas às invasões de terras por parte do MST, que ocuparam, neste ano, fazendas da Klabin e Votorantim além da área onde está sendo construída a Veracel, projeto entre a Aracruz e o grupo finlandês Stora-Enso. Além da questão do financiamento para a ampliação da área a ser plantada, os empresários alegam problemas burocráticos. Aguiar disse que se exige das empresas que exploram florestas plantadas uma licença ambiental não só para o plantio, mas também para a retirada da madeira, o que não é obrigatório em nenhuma etapa do cultivo agrícola. Segundo Tabacof, a criação de instrumentos financeiros como a securitização de florestas e a possibilidade de negociar créditos de carbono podem ser saídas para o setor. Para contornar o problema de escassez, as empresas procuram formas de ampliar suas áreas estratégicas. Em 2003, a Aracruz e Suzano Bahia Sul compraram conjuntamente da Vale do Rio Doce cerca de 40 mil hectares. A VCP, empresa do grupo Votorantim, poderá expandir sua reserva florestal para o Uruguai, informa o diretor industrial da empresa, Francisco Valério. Hoje, a VCP está implantando uma nova reserva no sul do Rio Grande do Sul, onde já detém uma área de 62 mil hectares em 15 municípios. O avanço além das fronteiras é estratégico para as empresas brasileiras. Hoje, calcula-se que cerca de 400 mil dos 700 mil hectares destinados ao plantio de florestas no Uruguai já estão nas mãos de empresas estrangeiras do setor de papel e celulose, como a finlandesa Metsa Botnia e a espanhola Ence.