Título: Ganhe escala, mas não tanto assim
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, Brasil, p. A2

Em sua disputa com a Vale do Rio Doce sobre o direito à produção excedente de minério de ferro de sua mina Casa de Pedra, o empresário Benjamin Steinbruch tem alfinetado o presidente da Vale, Roger Agnelli, com um argumento óbvio: o monopólio está fora de moda. Está mesmo. Virou palavrão, sinônimo de empresa que não tem competência ou não quer concorrer em um mercado livre. Na moda mesmo está a consolidação. Em todo o mundo, empresas se unem para ganhar escala, reduzir custo e ganhar competitividade. Qual é, então, o meio-termo? Até que ponto as empresas podem ser grandes sem atingir o status de monopolistas? As empresas brasileiras vivem hoje o dilema de ganhar escala para competir globalmente ou atender exigências de órgãos internos de defesa da concorrência e ter seu tamanho limitado. O exemplo da Vale é o mais quente no momento, mas há discussões nos setores siderúrgico, de papel e celulose, alimentos, telefonia e petroquímico. Em alguns desses setores, mesmo grandes empresas brasileiras têm porte pouco significativo em comparação às lideres do ranking mundial - o que, na prática, significa que seu poder de fogo no jogo do comércio mundial é menor. Na siderurgia, por exemplo, a produção total das empresas instaladas no país (incluindo-se CSN, Usiminas/Cosipa e Gerdau), de 31 milhões de toneladas de aço, é igual à produção de uma única empresa japonesa, a JFE, 4ª no ranking da Metal Bulletin. Outra japonesa, a Nippon Steel, 3ª no ranking, produz outras 31,4 milhões de toneladas. A Gerdau, maior do Brasil, está em 13º no ranking, com 13,4 milhões de toneladas. No setor de celulose, a soma da produção que a Suzano e a VCP devem atingir no futuro, com investimentos já anunciados, não chegará à metade da produção atual da sueco-finlandesa Stora Enso. Na petroquímica, a Braskem, que já responde por quase 40% do mercado brasileiro, produz 550 mil toneladas de polipropileno, diante de uma demanda mundial de 38,8 milhões de toneladas. Fica evidente que as empresas brasileiras precisam crescer se quiserem ser importantes no jogo do comércio mundial. Mas há duas maneiras de ganhar escala. Uma - apontada como ideal por especialistas - é a da expansão internacional, caminho trilhado por empresas como Gerdau, Petrobras e também Ambev (hoje InBev). É indiscutivelmente a melhor forma de reduzir risco e ganhar musculatura. O problema, segundo um empresário, é que muitas vezes esse caminho não garante tantos ganhos de sinergia e demanda investimentos caros para uma empresa que atua em um país com juro básico de 19,75% ao ano. Outro caminho, talvez ainda mais difícil, é o da consolidação no mercado interno. Um grupo de investidores chegou recentemente a articular um projeto para unir Perdigão, Sadia e Seara. Desistiu, entre outros motivos, por causa da percepção de que a operação não passaria no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). "O que é interessante é que essas mesmas empresas não conseguem vender frango in natura no país por causa da concorrência dos informais", reclama um dos investidores.

Melhor saída para o Brasil é a expansão internacional

Reclamações à parte, o fato é que há uma preocupação legítima com o consumidor brasileiro e, em especial, com a cadeia produtiva. O professor Sérgio Lazzarini, do IBMEC São Paulo, diz que a concentração no mercado interno de setores fabricantes de matérias-primas pressiona os custos da cadeia produtiva. Na siderurgia, por exemplo, haveria o perigo do poder de pressão sobre a indústria automobilística ou de linha branca, por exemplo. No papel e celulose, das gráficas. "Nesses casos, seria como vestir um santo para desvestir outro", explica. O ex-presidente do Cade, Gesner Oliveira, diz que é bom que a empresa brasileira cresça e invista, mas não às custas do poder de mercado, sem eficiência. "Não dá para dizer que quanto maior, melhor. É preciso tomar cuidado para não fechar mercados porque quando se reduz a competição, cai o estímulo à eficiência", explica, lembrando uma frase de Michael Porter: "Nada como a concorrência doméstica para se preparar para a concorrência internacional". Alguns empresários discordam. Para eles, uma grande concorrência interna consome energia, enfraquece a empresa e abre caminho para que, no futuro, um investidor externo venha a adquiri-la, ampliando seu poder de fogo. "Falta visão de longo prazo. Com mais escala no mercado interno, pode-se partir para aquisições no exterior, promovendo desenvolvimento econômico e geração de riqueza para o país. Se ficarmos com essa mentalidade de que é preciso proteger o cidadão das empresas malvadas, continuaremos a exportar dekasseguis", diz um empresário com investimento em áreas diversas. O que fica cada vez mais claro é que é necessário um programa de governo que eleja os setores em que o Brasil pode fazer diferença. Em concessões de serviços públicos, como telecomunicações, por exemplo, poder-se-ia permitir uma maior consolidação, desde que um órgão regulador apartidário tivesse poderes para defender o consumidor. Paralelamente, o governo poderia incentivar as grandes empresas do setor a se expandir para a América Latina. Apenas um exercício: se fosse possível unir Telemar (e Oi) com a Brasil Telecom, a nova empresa seria do tamanho da Telefonica e da Vivo. O governo tem se mostrado atento à questão das exportações. Mas é preciso olhar um pouco além. Espanha e Portugal perceberam que suas empresas sucumbiriam se apenas atendessem seus mercados internos. Incentivaram a internacionalização e hoje colhem dividendos gerados em empresas instaladas na América Latina. O Brasil tem potencial para brigar em vários setores. Precisa definir quais quer estimular. E de que maneira. Só não pode ter vergonha da posição adotada. Se o jogo vai ser o do estímulo à concorrência interna, não dá para deixar que o julgamento de uma aquisição seja concluído anos depois. "É preciso arrumar o ambiente para a concorrência. As regras precisam ser mais claras", diz Maria Sílvia Bastos Marques, ex-presidente da CSN.