Título: Melhor seria requalificar a agenda
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, Política, p. A6
Há, neste momento, divergências entre o governo e a cúpula do PT a respeito de qual maioria é preciso reconquistar no Congresso: ampla ou restrita? Esta última foi chamada pelo presidente do principal partido da base de apoio ao governo, José Genoino, de maioria qualificada, o que acabou criando ruídos intensos nas negociações do Palácio do Planalto com o Parlamento. Para acionar os mecanismos de construção dessa aliança congressual, ou de sua reconstrução, uma vez que ela já existiu em vários momentos nos últimos dois anos, o governo agiria com mais segurança se definisse, com clareza, para si próprio e seus aliados, para quê precisa de uma maioria. Se, por exemplo, apresentasse um programa para os dois anos finais de mandato, detalhado em projetos e atos que deixassem vislumbrar a necessidade da ação firme de seus aliados. Não o fazendo, submete-se às opiniões de um ou outro de seus parceiros que, à falta de objetivos comuns, recorrem a razões, estas sim, de interesse restrito. Parece ser este o caso do presidente do PT. Ao falar em maioria qualificada, algo em princípio louvável e objeto de desejo, espantou, em momento delicado, a heterogênea base de apoio ao governo Lula. Especialmente aqueles partidos que, não sendo bobos, sabem que jamais integrarão a maioria se ela se qualificar. É possível que José Genoino estivesse falando para o público interno, com todos os sentidos voltados para a disputa da presidência do PT, no fim do ano. Seus adversários são muitos e todos representantes das facções que condenam as alianças que o presidente Lula fez na política. Se foi jogo para o público petista, ou não, se verá mais à frente. O fato é que, a esta declaração, sobrevieram as assinaturas para criação da CPI dos Correios, com adesão significativa de aliados, e em seguida os atropelos do governo para formar uma maioria que desfizesse o ato que o desagradou. Foi inevitável que a seguir se abrissem discussões sobre a maioria congressual do governo Lula, com debatedores no governo e no Congresso. A maioria pela qual o Palácio do Planalto trabalha agora, e sempre trabalhou, é a ampla. O presidente Lula conseguiu aprovar reformas constitucionais no primeiro ano de mandato com uma maioria integrada, inclusive, pelos partidos de oposição a seu governo, que decidiram se manter coerentes com os princípios que defendiam quando tinham o poder. A partir do início do segundo ano, quando foi revelado o "caso de corrupção Waldomiro Diniz", então subchefe da Casa Civil da Presidência da República, encarregado justamente de fazer a ponte entre o Planalto e o Congresso, a maioria se recolheu, mas não havia dispersado. Em crise, o governo passou um bom tempo sem condições de fazer demandas, embora tenha precisado dos aliados para obstar a CPI que se quis criar, à época, para apurar a ação daquele funcionário.
Se a maioria se qualificar, adeus PTB, PL, PP, PMDB...
Em meados do segundo ano, quando os partidos começaram a se mobilizar em torno das definições de candidaturas e alianças para as eleições municipais de 2004, foi ficando ainda mais difícil para o governo ver andarem adiante suas iniciativas legislativas. Depois das eleições, em novembro e dezembro, o diagnóstico já mostrava que a maioria se esfacelara, tendo fugido aos pés do governo a aliança que o sustentava. A equipe hoje responsável pela articulação política entre o governo e o Congresso começou, desde dezembro, a traçar planos de resgate da maioria perdida. O ministro Aldo Rebelo havia construído, até, umas teorias, que poderiam sustentar o reinício do ano no Congresso: "A base é algo que sempre se está construindo, nunca é uma obra acabada, exige um esforço cotidiano, permanente". Estava, então, decidido o governo a fazer este esforço. Considerava que ainda tinha uma maioria tranqüila na Câmara e, embora não a tivesse no Senado, não era impossível reuni-la, principalmente porque contava com o PMDB, o maior partido da base no Senado. Sonhava o ministro da Coordenação Política com a ressurreição da aliança, que se daria por um processo: "Precisamos fazer com que a base da Câmara se entenda melhor com a do Senado, que sejam feitas reuniões permanentes da liderança do governo na Câmara com a liderança do governo no Senado, dos líderes da base na Câmara com os líderes da base no Senado". O aperfeiçoamento que se mostrava necessário no início do ano nunca foi tão atual. Embora não tenha construído uma relação com sua base em torno de um programa, o governo gostaria de aprovar no Congresso, por exemplo, o projeto das agências reguladoras, as normas sobre saneamento, a reforma sindical, a conclusão da reforma tributária, dezenas de medidas provisórias, o Orçamento, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, entre outros projetos de sua administração. E, por que não, é claro também que gostaria de evitar CPIs, se for esta a sua política, ou comandá-las com uma maioria de aliados, quando criadas, como foi o caso atual. Para isto, é mesmo ampla a maioria de que necessita o governo, e com os últimos percalços que está vivendo na política, terá que dedicar igual empenho à Câmara e ao Senado. A situação na Câmara já foi melhor, mas tem piorado muito de fevereiro para cá, desde a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência. Nos partidos que são teoricamente aliados, o governo conta 353 deputados: 91 no PT, 85 no PMDB, 53 no PP, 51 no PL, 47 no PTB, 17 no PSB, 9 no PCdoB. Alguns historicamente divididos. A oposição, na Câmara, teria os 62 do PFL, 51 do PSDB, 17 do PPS, 14 do PDT, 7 do PV, 2 do Prona e 5 sem partido. Nas contas dos líderes governistas, se a opção por uma maioria qualificada fosse, por hipótese, dispensar o PTB e o PP, reconquistando, por exemplo, partidos mais ideológicos, como o PPS e o PDT, a troca seria de 100 votos por 31. Sem contar que os partidos dispensados pelo governo logo migrariam para a oposição. É a lógica dos números com a qual o governo não quer brigar. Prefere aconselhar o PT a lutar pela qualificação do debate e exigências de ética na ação da maioria que governa com Lula.