Título: Governistas decidem enfrentar desgaste de abafar CPI na Câmara
Autor: Raymundo Costa e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, Política, p. A6

O Palácio do Planalto decidiu assumir o desgaste político e jogar todas as fichas para derrubar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) dos Correios. Ontem mesmo, o governo começou a substituir integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde será jogada a sorte da CPI na terça-feira, para garantir os votos de aliados mais confiáveis. Pelas contas do Planalto, a CCJ, por 39 votos, considerará a CPI inconstitucional. Enquanto os governistas traçavam a operação anti-CPI, ministros do PT reuniram-se na noite de segunda-feira para discutir a eventual entrega dos cargos, o que permitiria ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazer uma ampla reforma ministerial e se recompor politicamente no Congresso. Todo o esforço do governo para controlar a crise política pode ser inócuo. Mesmo que a CPI dos Correios seja derrubada na CCJ e no plenário do Congresso, a oposição no Senado tem outras duas CPIs na manga: a dos Bingos (já criada e não instalada) e uma espécie de CPI ampliada dos Correios, que investigaria também supostos esquemas de corrupção em outras estatais, como Infraero e Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Líderes da oposição avisaram ontem o presidente do Senado, Renan Calheiros, que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que exige a instalação da CPI dos Bingos, obrigando o presidente do Congresso a indicar os membros da comissão caso os partidos se recusem a fazê-lo. "Estão na famosa situação: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", definiu o líder da minoria no Senado, José Jorge (PFL-PE). A oposição decidiu fazer o alerta a Calheiros ao tomar conhecimento da decisão do Planalto de enterrar a CPI dos Correios. Essa estratégia do governo vem sendo amadurecida desde o último domingo, em conversas diárias dos ministros da Casa Civil, José Dirceu, e da Coordenação Política, Aldo Rebelo, com todos os aliados. Um dos primeiros a ser procurado foi Renan Calheiros. Para Dirceu e Rebelo, a CPI deve ser evitada, a despeito de toda reação negativa inicial da opinião pública. A decisão tem o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na noite de segunda-feira, os aliados amadureceram a decisão num jantar na casa do líder do PP na Câmara, José Janene (PR). Mesmo que alguns aliados considerassem a morte da CPI uma operação "kamikaze", os ministros políticos acham que a comissão precipita a sucessão presidencial de 2006, fragiliza ainda mais a base e dificilmente seria controlada. "Ninguém passa por um governo sem cicatriz. Essa pode ser a nossa", dizia ontem um aliado do governo. "Rezem por nós, diante desta marcha da insensatez", brincava um petista, ainda considerando temerária a operação anti-CPI. Os aliados decidiram que essa votação na CCJ só poderia ser levada adiante se houvesse total garantia do resultado em plenário. A votação ficou marcada para a próxima semana. O relator do recurso que questiona a constitucionalidade da CPI deve ser Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG). "Se sofrermos uma derrota no plenário estamos acabados", analisava o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES). "Pior que derrubar CPI no plenário, só mesmo votar a contribuição dos inativos", disse o deputado Ricarte de Freitas (PTB-MT), deslocado pelo PTB para a CCJ. Ricarte entra numa das três vagas que o PTB havia cedido à oposição na CCJ, em composição política anterior. O PTB, partido mais atingido pela denúncia de corrupção nos Correios, resolveu comprar a briga do governo, mas condiciona esse apoio irrestrito a uma articulação vitoriosa no plenário. A denúncia de corrupção, publicada na revista "Veja", revela um suposto esquema de fraude em licitações, envolvendo funcionários indicados pelo PTB. O presidente nacional do partido, deputado Roberto Jefferson (RJ), tem se queixado do governo em conversas diárias com correligionários. "Estou agüentando tudo sozinho. Não tenho apoio de ninguém", diz ele, com certo tom de ameaça. Enquanto Aldo se reunia com os líderes aliados na casa de Janene, os ministros do PT se encontravam na casa da ministra Nilcéia Freira (Secretaria Especial de Política para as Mulheres) com o presidente do partido, José Genoino (SP). Os ministros cogitaram colocar os cargos à disposição de Lula. Avaliaram que a reforma ministerial seria a única alternativa segura para recompor a base aliada e assegurar a estratégia de abortar a CPI no nascedouro. Logo de início, os ministros petistas foram informados que o presidente Lula não encampava essa idéia, que continua guardada como opção a ser desencadeada no momento que o PT considerar oportuno. A proposta da entrega coletiva surgiu no PMDB - foi a fórmula encontrada por Renan Calheiros para permitir que Lula demitisse o ministro da Previdência, Romero Jucá, sem causar maiores abalos no partido. A idéia enfrenta a oposição do ministro Aldo Rebelo. Ela já foi tentada no governo Collor e não deu certo. Além dos aliados, o PT está impaciente com a falta de ação de Lula. A sigla julga, por exemplo, que o presidente deveria ter afastado o senador Fernando Bezerra (PTB-RN) da função de líder do governo no Congresso. Acredita que ele expôs Lula ao assinar o pedido de CPI e de divulgar carta apócrifa com denúncia de um suposto esquema de licitação irregular nos Correios para favorecer petistas. Avaliam que a manutenção do senador "desmoraliza os esforços para barrar a CPI. "Assinei em defesa da minha honra, mas não acho que seja o melhor instrumento para apurar essas coisas. Sempre termina num palco, em jogo político", disse Bezerra. O senador tinha conversa prevista com Lula para ontem à noite. (Colaborou Henrique Gomes Batista)