Título: Ações no divã
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, EU &, p. D1

Com estabilidade macroeconômica, indicadores específicos de cada companhia ganham valor na hora de calcular o preço considerado justo do papel

Há alguns anos, quando era muito difícil prever qual seria a taxa de inflação do mês e o remédio que o governo usaria para conter esse fantasma, saber quanto a empresa venderia e a sua capacidade de reduzir as dívidas parecia uma tarefa inglória ou até um exercício de futurologia, com poucas chances de ter resultados consistentes. Hoje, com a estabilidade econômica, torna-se cada dia mais importante o trabalho de análise das empresas. Por esse motivo, bancos e corretoras estão investindo em suas áreas de análises e sofisticando os métodos de cálculos que buscam encontrar o preço considerado justo para cada uma das ações em bolsa. Como existe um consenso com relação às premissas macroeconômicas, a sintonia fina das análises está exatamente no trabalho de descobrir os números mais próximos possíveis que retratem o futuro da companhia. "Desde a crise da Ásia (1997), esta é a primeira vez que o trabalho do analista é muito mais olhar da porta para dentro da companhia", diz o chefe de análise da Fator Corretora, Cláudio Monteiro. "Conhecer bem a empresa é o que vai fazer a diferença daqui para frente", diz Monteiro. Ele afirma que dentro desse novo cenário, ganhou muita importância conhecer a estrutura de capital da companhia e o trabalho que desenvolve em termos de governança corporativa e responsabilidade social. Isso pode revelar, por exemplo, como ficariam os minoritários numa possível troca de controle, ou se a empresa está preparada para enfrentar as consequências de um acidente ambiental causado por ela mesma. "Não basta mais saber apenas qual será o fluxo de caixa da companhia pelos próximos cinco anos", diz Monteiro. Um sinal dessa mudança no teor do trabalho de análise são as reuniões que as companhias abertas realizam na Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais - Apimec. As empresas se preocupam em colocar em suas apresentações informações de governança corporativa, como formação da diretoria e do conselho de administração, nível de independência entre eles e poder de decisão dos dois grupos. Do outro lado do balcão, os analistas hoje perguntam muito mais sobre os planos da companhia no campo das boas práticas. "É importante saber, por exemplo, se a empresa possui um acordo de acionistas e se numa possível troca de controle, os minoritários receberão por suas ações o mesmo que será pago pelos papéis do controlador (tag along)", lembra o chefe de análise da Fator. Até cinco anos atrás, raramente as companhias eram questionadas sobre tais assuntos. O trabalho dos analistas pode seguir duas grandes vertentes - a fundamentalista e a grafista. A maioria esmagadora dos profissionais usa a primeira, que consiste em calcular o preço justo de uma ação com base nos fundamentos da companhia. Já na grafista, o profissional analisa o comportamento passado do papel na bolsa para projetar o seu movimento futuro. Na visão do presidente da Apimec-SP, Haroldo Levy, não há um método de análise perfeito e os profissionais mesclam as técnicas para chegar no resultado mais verossímil possível. "A premissa principal é não usar apenas um método", diz Levy. Existe a mistura, inclusive, das duas linhas de trabalho. "Muitas vezes, o analista usa os gráficos para checar se sua análise fundamentalista converge com o movimento passado da ação", afirma Levy. Dentro da vertente fundamentalista, a técnica mais usada entre os profissionais é o fluxo de caixa descontado. Em linhas gerais, isso significa que o analista projeta o quanto a empresa vai ganhar com a sua atividade (leia-se fluxo de caixa), geralmente pelos próximos anos. Em seguida, traz esse número para o presente embutindo uma taxa de desconto e, assim, encontra o preço considerado justo para se pagar pelo papel da companhia na bolsa. Por exemplo, se o número encontrado é R$ 100 e a ação está valendo R$ 50 significa que o papel tem um potencial de valorização de 100%. É importante lembrar que isso não é garantia que o investidor realmente ganhará 100% com essa ação. Para que isso aconteça, além de tudo se confirmar no destino da companhia, também é preciso que as premissas macroeconômicas - como taxa de juros, câmbio, inflação e risco-país - ocorram da forma que o analista traçou. "Apesar da estabilidade, os aspectos macroeconômicos são sempre os que mais variam e podem fazer com que as projeções do analista não se concretizem", diz o chefe de análise da corretora do Banco Real, José Cataldo. Os múltiplos também são ferramentas bastante usadas pelos analistas, principalmente para comparar a companhia com outra do setor, e assim saber se a ação está cara ou barata. Os indicadores mais usados no Brasil são o P/L - preço da ação sobre o lucro da empresa - e o EV/Ebitda - valor da companhia sobre sua geração de caixa. Tanto um quanto o outro possuem imperfeições e, por isso, são apenas mais um instrumento entre os diversos que o profissional usa para chegar ao preço final da empresa. Para Cataldo, o P/L é contaminado por eventos extraordinários, já que considera a parte financeira da companhia dentro do lucro. Já para o chefe de análise do banco UBS, Marcelo Mesquita, o EV/Ebitda é um múltiplo mais limitado porque considera o lucro antes do imposto de renda. "Isso distorce o número, já que a tributação no Brasil é muito alta", diz Mesquita. Uma empresa brasileira pode ter um EV/Ebitda muito melhor que uma chilena, no entanto, ter um resultado bem menor considerando o imposto pago, exemplifica Mesquita. Ele acredita que a melhor forma de análise é por fluxo de caixa descontado, que nada mais é do que um filme de como será a companhia nos próximos anos. Já os múltiplos seriam como uma fotografia, reproduzindo um momento, e que servem muito mais como comparação com outras empresas. O crescimento do mercado de capitais também está exigindo uma diversificação nas formas de análise. Segundo Mesquita, alguns clientes, como fundos de pensão e administradoras de recursos de terceiros, já se interessam por análises feitas sob medida para o ramo em que atuam. Gestores de fundos de governança corporativa, por exemplo, buscam análises com esse foco.