Título: Liminares obrigam SUS a pagar drogas caras
Autor: Cristine Prestes e Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Em maio deste ano, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região obrigou a União a pagar uma operação de transplante de fígado nos Estados Unidos para uma criança de três anos com uma doença metabólica rara. Já o TRF da 4ª Região confirmou uma liminar que garantiu a duas pessoas portadoras do mal de Parkinson e de atrofia múltiplo sistema o fornecimento de medicamentos pela União, Estado de Santa Catarina e Município de Joinville. Decisões como estas estão se tornando cada vez mais comuns e vêm obrigando União, Estados e municípios a custearem medicamentos e cirurgias excepcionais a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A profusão de liminares concedidas pela Justiça tem deixado acuados os governos, que juntos são os responsáveis pela administração do SUS, e causado um rombo nas administrações públicas. Isso porque os medicamentos e procedimentos estão fora da lista prevista no sistema, mas acabam sendo liberados pela Justiça sob o argumento de que a Constituição garante a todo cidadão o direito à saúde e à vida. De acordo com o advogado José Luiz Toro da Silva, do Toro Advogados & Associados, há três teorias para interpretar a Constituição no que diz respeito à saúde: a primeira é a de que o direito à saúde é subjetivo e individual, base das ações judiciais e hoje a tese dominante; a segunda argumenta que há apenas um direito coletivo e uma política pública de saúde formatada a partir de um orçamento limitado; e a última diz que o direito subjetivo e individual existe, mas está atrelado aos recursos disponíveis e à própria limitação da Lei de Responsabilidade Fiscal. "Essa é uma discussão extremamente séria e não é específica do direito brasileiro, está ligada à falência de um modelo do Estado do bem-estar social", afirma. Não há dados consolidados sobre o número de liminares ou os gastos de cada esfera da administração com as decisões judiciais. Mas alguns números indicam o tamanho do problema. Em 2004, o Ministério da Saúde gastou um total de R$ 273 mil com medicamentos excepcionais até setembro, diante de um orçamento de R$ 3,5 bilhões para os remédios. O percentual parece pequeno, mas é apenas a parte que cabe à União nas liminares, mais comuns contra Estados e municípios. Somente o Rio Grande do Sul gastou R$ 120 milhões com medicamentos excepcionais no ano passado. Em 1992, os usuários dessas drogas somavam cerca de 15 mil pessoas. Hoje são 150.000. No Estado de São Paulo foram gastos R$ 11 milhões nesses remédios, contra um orçamento de R$ 92 milhões. Diante da facilidade com que se consegue uma liminar, procuradores estaduais estudam formas de controlar o vazamento de recursos públicos com a transformação de receitas médicas em decisões judiciais. O Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal decidiu pela formulação de um projeto de lei federal para regulamentar a questão. A proposta inicial foi feita pela Procuradoria-Geral de São Paulo e prevê a criação de uma lista de patologias e diagnósticos para definir em que circunstâncias e em que quantidade os medicamentos excepcionais devem ser fornecidos. O projeto define também a divisão da competência entre os poderes públicos: municípios fornecem apenas medicamentos básicos e Estados ficam os remédios excepcionais, desde que registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ao governo federal caberão os medicamentos que estão fora da lista da agência. No Rio Grande do Sul, a estratégia foi formar uma equipe especial de médicos e procuradores para formular laudos que contestem a necessidade do fornecimento do remédio indicado ou na quantidade indicada. Ainda não há balanço da estratégia, iniciada em 2004, mas já foram obtidas sentenças inéditas contra o fornecimento do Interferon Peguilado, remédio contra a Hepatite C que representa a maior disputa judicial da área. Segundo o procurador-geral do Estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, o projeto tenta resolver um problema jurídico, financeiro e também de saúde pública, pois é preciso ter algum controle sobre os medicamentos fornecidos à população via Judiciário. Para o procurador, hoje os juízes ficam numa situação muito difícil, pois têm pouco conhecimento do caso concreto e, via de regra, concedem a liminar, dificilmente revertida nos tribunais.