Título: O uso das PPPs no setor postal
Autor: Maria Neuenschwander Escosteguy Carneiro
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"É inegável que a iniciativa privada reúne condições jurídicas para explorar os serviços postais"

A sanção, pelo presidente Lula, da Lei nº 11.070, de 30 de dezembro de 2004, comumente denominada "Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs)", representa um importante avanço para o país no que se refere a investimentos em infra-estrutura nacional com a participação do capital privado. As PPPs se apresentam como mais uma forma de parceria entre o poder público e a iniciativa privada, possibilitando o investimento de forma maciça em setores estratégicos. As PPPs diferem de outras formas de parceria correntes na administração pública brasileira, quais sejam os consórcios, convênios, acordos de programa - que, frise-se, não estão positivados no direito brasileiro - e representam uma soma de esforços. Existem, ainda, as parcerias para serviços sociais (Oscips). Ambos os tipos de parcerias envolvem fomento e afastam o mote empresarial, ou seja, não há o intuito de lucro. Esta, no entanto, não é a realidade das PPPs. A Lei nº 11.070/04 conceitua as PPPs como contratos administrativos de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. A primeira diz respeito à concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.978/95, quando envolver cobrança de tarifa aos usuários e contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Ausente este segundo requisito, descaracteriza-se a PPP, subsumindo-se o contrato à concessão tradicionalmente preconizada pela Lei nº 8.987/95. O fundamento das parcerias público-privadas está em que o país carece de investimentos pesados em infra-estrutura, não podendo o poder público assumir o compromisso de realizar novos investimentos sem o ingresso do capital privado. Importa destacar ainda que, nas PPPs, o risco é transferido 100% para o setor privado, razão pela qual elas devem ser utilizadas apenas em negócios não-sustentáveis. A administração pública oferece garantias ao setor privado porque contrata, basicamente, sem dinheiro. O setor postal, que vem se expandindo de forma magnífica, é de importância estratégica para as transações comerciais. Estado e iniciativa privada lutam por espaços no mercado, cada qual procurando criar produtos e serviços que efetivamente atendam às necessidades de seus clientes. Estabeleceu-se, assim, um mercado complexo, no qual as demandas tornaram-se mais sofisticadas, exigindo da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) uma mudança de perspectiva na forma de encarar seus negócios.

As premissas de criação da ECT que culminaram com a regulamentação vigente hoje no setor não são mais válidas

As premissas originais de criação da ECT que culminaram com a regulamentação hoje vigente no setor não são mais válidas, exigindo-se uma reforma estrutural no setor. Diante deste fato, o Ministério das Comunicações, por meio da Portaria nº 778, criou o Programa da Reforma Estrutural do Setor Postal Brasileiro, com o objetivo de instituir um novo modelo regulamentar e institucional para o setor. Contudo, e não obstante o incremento quantitativo e qualitativo no setor postal por meio da dita portaria, observa-se que o setor ainda carece de um arcabouço regulatório, o que gera insegurança no mercado. É inegável que a iniciativa privada reúne condições fáticas e jurídicas para explorar os serviços postais, razão pela qual não vemos óbices à inclusão de tais entes no marco regulatório a ser criado do setor, seja por meio de concessão, permissão, autorização, terceirização ou mesmo parceria público-privada. Isso porque a Constituição Federal de 1988 deu certa margem de discricionariedade ao legislador em relação às atividades enumeradas nos incisos X a XII do artigo 21 da carta para, diante principalmente das evoluções tecnológicas propiciadoras da concorrência e por força do princípio da proporcionalidade, caracterizá-las como serviços públicos propriamente ditos, e, portanto, de titularidade exclusivamente do Estado, ou como serviços públicos impróprios ou virtuais (ou de interesse geral, se utilizarmos a nomenclatura da União Européia), insto é, como atividades sujeitas a uma regulação de natureza autorizativo-operacional. Neste sentido, observe-se com nitidez que o artigo 18 do Decreto-Lei nº 509, de 1969, chancela este raciocínio, pois dispõe que "a ECT procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contratos e convênios, condicionando este critério aos ditames de interesse público e às conveniências da segurança nacional". Por que não, então, redirecionar a disputa hoje existente no setor postal entre o público e o privado para as parceria público-privadas, que poderiam representar um poderoso instrumento de ponderação de interesses e de viabilização econômica e social, na medida em que permitem a consecução conjunta de esforços do poder público e da iniciativa privada?