Título: Projetos de R$ 15 bilhões mudariam a face da região
Autor: Marcos Coronato
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2005, DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE, p. F3

Oferta de água, gás e escoamento da produção são vitais

Quando saírem do papel, o Nordeste como o conhecemos se transformará radicalmente. São quatro grandes obras de infra-estrutura em gestação nos gabinetes do governo e nos escritórios de investidores privados. Destinam-se a resolver alguns dos piores problemas estruturais da região, que são o transporte de carga deficiente, o abastecimento incerto de água e a falta de gás natural para suprir usinas térmicas e novos negócios. Juntas, exigirão investimento de R$ 15 bilhões. Todas enfrentam sérios obstáculos para ser desengavetadas. A que está mais perto de se materializar é a do Gasoduto Sudeste-Nordeste (Gasene). Ele interligaria as malhas de gasodutos Sudeste, a partir do Rio de Janeiro, e a malha Nordeste, na Bahia. O duto teria cerca de 1,2 mil quilômetros de extensão e usaria gás produzido na Bacia de Santos (SP) para abastecer empreendimentos num arco que se estenderia pelo litoral até o Maranhão. A obra seria feita com capital da Petrobras e, possivelmente, de investidores chineses e japoneses. Do valor total, US$ 1,3 bilhão, o BNDES financiaria US$ 1 bilhão. Caso ela comece neste ano, como está programado, seu impacto poderia ser visto no fim de 2006 e estaria terminada em 2007. A escassez de água para importantes centros urbanos e para a expansão da indústria e do agronegócio é outro grave problema regional. O governo federal acena com a solução, que viria com a transposição do rio São Francisco. A obra consiste em retirar do rio 26 metros cúbicos de água por segundo e levá-la por um canal, o Eixo Norte, para abastecer mananciais no Ceará e no Rio Grande do Norte, e por outro canal, o Eixo Leste, para Pernambuco e Paraíba. A estimativa atual de custo é de R$ 4,5 bilhões, incluindo bombas para vencer os desníveis e pequenas centrais hidrelétricas que poderiam recuperar 40% da energia gasta. Se iniciada este ano, poderia ter resultados a partir de 2007. Os críticos da proposta lembram que há alto índice de desperdício de água no Nordeste e que dois canais não resolverão o problema da população mais pobre, difusa pelo semi-árido. "Tem de haver uma política de desenvolvimento associada ao projeto. Só a infra-estrutura não resolve", diz o diretor de engenharia da Chesf, José Aílton Lima. A estatal seria a responsável por administrar o sistema. Na área de logística, a obra mais revolucionária seria a ferrovia Nova Transnordestina. O projeto segue em debate entre a União, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o BNDES e outros interessados. Ela consiste numa via em bitola larga, que permitiria o escoamento da produção agrícola do interior do Nordeste e do Centro-Oeste, a partir da cidade de Eliseu Martins (PI), pelos portos de Suape (PE) e Pecém (CE). "Além de grãos, ela poderia transportar uma diversidade incrível de produtos, como frutas do Vale do São Francisco e minerais de Pernambuco e Ceará", diz o economista Lamartine Távora, da pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O traçado da antiga Transnordestina, hoje operada pela Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), segue no sentido leste-oeste, obedecendo à lógica do transporte de cargas e passageiros entre as capitais da região. A Nova Transnordestina seguiria do interior para os portos, mirando as exportações. Pelas estimativas iniciais, a obra exigiria R$ 4,5 bilhões. Duas fontes prováveis seriam o BNDES, com R$ 400 milhões, e a Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene), com R$ 1,5 bilhão. Ainda no setor de estradas de ferro, o Nordeste poderia se beneficiar da conclusão da Ferrovia Norte-Sul. Apenas uma pequena parte dela fica na região, no Maranhão. Apesar disso, ela induziria investimentos em logística, ao escoar a produção agrícola do sul do Maranhão e do Piauí, do oeste da Bahia, de Tocantins e do Centro-Oeste rumo ao Porto de Itaqui (MA). O governo espera realizar a obra no sistema de Parceria Público-Privada (PPP) e estima os custos dos três trechos em US$ 300 milhões cada. As expectativas do Nordeste, porém, não repousam apenas em obras colossais. O BNB prospectou, até abril, R$ 1,74 bilhão em potenciais empreendimentos nas áreas de geração e distribuição de energia, gás e água na região. Um exemplo é o da Neoenergia, que tem como controladores Banco do Brasil, Previ e a espanhola Iberdrola. A empresa comanda três distribuidoras e duas geradoras no Nordeste. Este ano, levantou R$ 210 milhões para investir na expansão da rede. "Boa parte do investimento vai para o agreste, para garantir metas de fornecimento em áreas pobres", diz o diretor de financiamento, Erik Breyer. O executivo já se acostumou com a dinâmica da região. Inicialmente, não parece bom negócio levar energia, por exemplo, a um projeto agropecuário isolado no interior da Bahia. "Mas sabemos que aquele projeto, digamos, em Barreiras, pode atrair um frigorífico, que pode atrair prestadores de serviços, que podem movimentar aquela área - o que é ótimo para nós." Enquanto a economia nordestina se baseava em pequenas empresas e no turismo amador, era possível fazer vista grossa para a infra-estrutura deficitária. Mas com o avanço da industrialização, do agronegócio e da profissionalização do turismo, ficou evidente que o potencial de crescimento não será alcançado se não forem atendidas as demandas em relação a rodovias, ferrovias, portos, água, saneamento e distribuição de energia. "A falta de infra-estrutura é uma das maiores responsáveis por manter o Nordeste atrasado", afirma o economista Alexandre Rands, da Datamétrica, de Recife. Diversos indicadores que deveriam ser recebidos como boas notícias começam a provocar também preocupação. Há projeções de investimentos e produção crescentes de petroquímicos e celulose na Bahia, de grãos no Maranhão e no Piauí, de minerais no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, para citar apenas alguns exemplos. São commodities cuja produção exige suprimento confiável de água e energia, e cuja comercialização demanda um sistema robusto de armazenagem e transporte. Se a infra-estrutura se mantiver ruim, o crescimento poderá travar. "Grande parte dos nossos produtos tem de ser escoada por estradas já precárias, e isso apenas com a produção atual. Temos de pensar que há grandes planos de expansão até o fim da década", diz Boris Tabacof, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa).