Título: A influência de Paulo Coelho em 2006
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2005, Política, p. A8

Se as três disputas eleitorais entre o PT e o PSDB já haviam enfraquecido o bem e o mal como balizas da política brasileira, o governo Luiz Inácio Lula da Silva deu-lhes o golpe de misericórdia. Esta é uma das impressões emergentes das conversas sobre o Brasil promovidas pelas pesquisas tucanas. Ao todo, 144 pessoas foram ouvidas, em grupos de oito, para conversas que duraram até quatro horas, envolvendo homens e mulheres de todas as idades e faixas de renda de oito capitais de norte a sul do país - favoráveis, contrários e neutros em relação ao governo Lula. Foi uma das rodadas de pesquisa qualitativa mais completas já realizadas. Delas saíram as perguntas que embasariam a aplicação de um questionário a 3,4 mil entrevistados. Os resultados de uma e outra convergiram, e é pela pesquisa numericamente maior que 2006 começa a ser mensurado. Estatisticamente, as conversas em grupo não têm valor algum, mas permitem que o eleitor se expresse em seu português sobre suas inquietações de Brasil. Um eleitor de São Paulo, contrário ao governo Lula, resumiu à sua maneira a lenta morte do maniqueísmo na política. Disse que a única coisa que havia melhorado era que de tanto ter esperança, o povo havia ficado mais solidário. É um caminho para se entender o que aconteceu com aquela esperança, mística para uns, arrogante para outros, de que se Lula tivesse ganho antes, alguma coisa poderia ter sido diferente no país. Frustrados, os eleitores de Lula aproximaram-se dos demais mortais que já haviam visto seus eleitos fracassarem na promessa de remediar-lhes a vida. Cai o muro entre os eleitores dos bons e dos maus. Todos elegem políticos que enfrentam dificuldades para cumprir o prometido - pelo teor das promessas e pelas opções de governo. O chamado voto "Paulo Coelho" parece ter contaminado o eleitor não-lulista. Se Lula é criticado por portar-se ainda hoje como candidato, há uma parcela da população, incluídos não-petistas, que ainda se comportam como eleitores. Ouviu-se de um participante das conversas, identificado como politicamente neutro, que, depois da eleição de Lula, ele havia passado a acreditar mais em sua própria capacidade de transformar seus sonhos em realidade.

Alastrou-se o discurso de que você também pode

Assim como eleitores favoráveis e contrários ao governo compartilham da impressão de que há poucas mudanças palpáveis no país, tampouco se identificam nomes, partidos ou projetos que possam preencher o vazio decorrente da esperança nocauteada. Na lembrança dos participantes das conversas, o PSDB é Fernando Henrique Cardoso, de quem não se sentem próximos. No limite, há a lembrança de alguma melhora na saúde durante seu governo, mas não se menciona o Plano Real ou a estabilidade econômica. O medo da campanha de 2002 acabou revertendo a favor da avaliação do presidente. Ele pode não estar fazendo nada, mas não está destruindo o país como se apregoou. E mais, a natureza rude de Lula não suscita o desejo pelo oposto. Ao contrário, há a percepção de que, mesmo sem lapidação, ele faz um governo próximo aos que o antecederam. Das conversas, concluiu-se que o eleitor não está disposto a abrir mão de um presidente próximo, que demonstre preocupação, indignação e vontade de mudar. Um nome alternativo pode vingar desde que agregue a isto o comando, a firmeza e a capacidade de fazer que faltam a Lula. O bordão oposicionista este-governo-prometeu- e-não-fez terá que ser muito medido antes de lançado à praça. Um participante dos grupos de conversa, de perfil político neutro, definiu assim o Brasil pós-Lula: não é que as pessoas estão acreditando mais nele, estão acreditando mais em si mesmas. Outra armadilha que aparece no caminho da oposição, já testada pelos 3.400 questionários, é que a briga entre governo e Congresso é o que mais atrapalha o Brasil. As conversas aconteceram antes da eclosão da CPI, o que não permite avaliar o potencial de seu prejuízo para o governo. Mas vê-se que a oposição tampouco está incólume a seus desfechos. O PT é tido como um atraso de vida para Lula. O PSDB tem chances desde que não se identifique com a desestabilização do governo e fuja da imagem de saco de gatos desunidos. A defesa de Lula, ao longo das conversas, aparece de uma forma emocional mesmo quando não é um eleitor seu quem fala. A crítica, pelo contrário, é sempre objetiva e racional. E os estrategistas do PSDB não identificam essa dualidade como positiva. Geraldo Alckmin soma mais qualidades das apresentadas pelos eleitores, mas Aécio Neves, pela mística do avô, emociona mais. Os rumos da economia ainda podem mudar, e muito, esse cenário. Hoje as pessoas já dizem que está sendo mais fácil comprar, porém mais difícil pagar. Se a desaceleração da economia agravar essa situação, o voto "Paulo Coelho" pode ceder lugar ao protesto dos caloteiros.