Título: Nova era de relação na Europa
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2005, Opinião, p. A11

Hostilidade de França e Holanda à ampliação da União influenciou rejeição popular ao tratado

Os franceses e os holandeses pulverizaram o caminho para uma "união cada vez mais mais coesa". Trata-se, então, do início de uma nova era, não apenas na história da União Européia (UE), mas também na exasperante relação do Reino Unido com uma instituição cujos objetivos os britânicos não abraçaram, mas que também não desejaram abandonar. Não muito tempo atrás, a pressuposição generalizada era de que o Reino Unido terminaria por ver-se na condição de único país membro a rejeitar o novo tratado. A visão era de que, se a França viesse a rejeitá-lo, a UE teria um problema, mas se o semi-distanciado Reino Unido o fizesse, seriam os britânicos quem ficariam com o problema. Uma premissa razoável era de que o Reino Unido caminharia para uma exclusão, ao passo que o restante do continente, liberto do obstrucionismo britânico, se integraria mais rapidamente do que antes. Isso deixou de ser verdade. Foi a decisão arriscada de Tony Blair, de redirecionar o debate sobre a ratificação - de uma eleição geral para um plebiscito, no Reino Unido - que induziu Jacques Chirac, o presidente francês, a fazer o mesmo. A crença britânica de que maior alargamento implicaria em menor aprofundamento também revelou-se verdadeira. As reações hostis dos franceses e holandeses à ampliação, tanto recentes como prospectivas, foram fatores que influenciaram a rejeição destes ao tratado. Novamente vence a pérfida Albion. Será que isso, então, coloca um ponto final no debate britânico sobre seu lugar na UE? A resposta imediata a essa indagação é sim e não. Sim, o Reino Unido já não é mais o único obstáculo importante ao desenvolvimento da UE. Mas, também, não, o relacionamento com a UE não irá ficar tão fácil. Em vez de avançar numa direção de que a maioria no Reino Unido desgosta, a UE provavelmente ficará paralisada.

Reino Unido já não é mais o único obstáculo importante ao desenvolvimento da UE, mas seu relacionamento com o bloco não irá ficar tão fácil

Será mais fácil ou mais difícil relacionar-se com tal UE? Um livro recente ("Should Britain Leave the EU? An Economic Analysis of a Troubled Relationship") lança indiretamente alguma luz nessa questão, porque sua posição é extremada. Os autores, entre os quais Patrick Minford, conhecido economista defensor de livres mercados, atualmente na Cardiff University, acreditam que o Reino Unido deveria simplesmente abandonar a UE. Os autores assim estimam o custo da participação do Reino Unido como membro da EU: em Política Agrícola Comum (PAC), de 0,3% a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) britânico; na proteção a manufaturados, de 2% a 3% do PIB; por participação no euro, o dobro de volatilidade macroeconômica; em harmonização de impostos e legislação, de 6% a 25% do PIB; e em custos potenciais de socorro a insolventes sistemas de pensões em países da UE, de 2% a 9% do PIB. Além disso, argumentam os autores, os alegados ganhos com o afluxo de investimentos estrangeiros diretos são ilusórios. O custo da PAC é identificado corretamente, ao passo que os custos para proteção da indústria de transformação, embora reais, estão substancialmente exagerados: a análise assume que as diferenças de preços entre os EUA e o Reino Unido se devem ao protecionismo da UE e que o Reino Unido adotaria unilateralmente o livre comércio se estivesse fora da UE. Mas a premissa de que o Reino Unido está prestes a ser vitimado por uma tsunami de harmonização que levaria o imposto doméstico e os regimes regulatórios de volta à década de 1970 é, para dizer o mínimo, exagerada. Voltando a dizê-lo: o Reino Unido não precisa aderir ao euro. Por fim, embora não menos importante, pressões no sentido de participar de socorros a governos insolventes na UE deverão recair apenas sobre países membros da zona do euro, e não daqueles suficientemente inteligentes para permanecer fora dela. Minha visão é de que a participação na UE impõe um custo líquido modesto à economia do Reino Unido, que vale muito bem a pena pagar, em troca de uma voz nas questões européias. Entretanto, é essencial que o Reino Unido evite aderir à zona do euro, que parece bastante disfuncional, como temiam críticos prescientes, e resista à regulamentação excessiva proveniente da UE. Tentativas de regulamentar as horas de trabalho ou as condições empregatícias de trabalhadores temporários são desnecessárias. Não há necessidade de instituições européias para impor esse tipo de regras a seus democráticos países membros. Abraçar a diversidade e a descentralização. Essa é a conclusão a ser tirada desses resultados. Os países da Europa são distintos. Eles não podem ser forçosamente enquadrados em um único processo político. Os franceses, por exemplo, desejam manter seu leviatã de custo elevado e grande regulamentação. Que o façam. O Reino Unido, com razão, escolheu um caminho diferente. A ironia está em que foram os franceses, mais que quaisquer outros, quem temiam o surgimento de uma grande área de livre comércio. No entanto, com base na premissa de que a França não será suficientemente brava para deixar o mercado único, é isso, na prática, o que os franceses escolheram. A UE não será uma França em maior escala. Em vez disso, ela permanecerá paralisada. O Reino Unido, entretanto, preferiria uma UE que permanecesse onde está a uma UE movendo-se em sua direção anterior. Os franceses e os holandeses deram uma resposta ao dilema europeu dos britânicos: vive la France!