Título: Argentina troca parte de sua dívida em default por US$ 35,3 bi em bônus
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2005, Finanças, p. C8

Saindo do Calote País começa a distribuir títulos novos e conclui processo de reestruturação

O governo argentino anunciou ontem ter concluído o processo de reestruturação de sua dívida em default. Foram transferidos US$ 35,3 bilhões em bônus novos destinados aos credores, valor correspondente aos 76% dos que aceitaram a proposta oficial para substituir US$ 103 bilhões em títulos antigos. Também foram pagos US$ 680 milhões em juros vencidos. A conclusão do maior calote da História, que deveria ter ocorrido em 1º de abril, foi atrasada por uma ação judicial iniciada por credores que possuem parte dos 24% da dívida e que foi derrotada na Justiça dos Estados Unidos. Os credores devem continuar tentando recuperar seu dinheiro pela via legal, mas o governo argentino diz que o problema só será resolvido no próximo mandato. O desfecho é sem dúvida um sucesso para o governo, mas a saída do default também cria novos problemas. Com o fim do isolamento financeiro no qual caiu após interromper o pagamento de sua dívida, em dezembro de 2001, a Argentina passa a ter uma economia que estará mais sujeita às oscilações do mercado internacional. Com um contexto de taxas de juros baixas nos países ricos, estima-se que, mesmo com o trauma gerado pelo calote, a Argentina receba um fluxo maior de investimentos externos, e os papéis também devem despertar interesse no mercado internacional. Os bônus considerados mais atraentes são os denominados em pesos e indexados pela inflação, já que poderiam ter valorização significativa com a alta inflacionária e uma eventual valorização da moeda argentina. Espera-se que os novos bônus comecem a ser negociados no mercado a partir da semana que vem, devido ao trâmite do processo de entrega aos credores - os títulos têm de passar pelas instituições financeiras que organizam a troca antes de irem para contas individuais. Apesar de desejado, o ingresso de capitais no país deve dificultar a colocação em prática de um dos pilares da política econômica do presidente Néstor Kirchner: a manutenção da cotação do dólar em torno dos 3 pesos, patamar tido como necessário para aumentar a competitividade por meio do câmbio. Junto com a manutenção do câmbio competitivo, o governo quer captar investimentos externos de longo prazo para poder modernizar sua indústria e estimular a atividade econômica. Por isso, na semana passada o governo anunciou medidas para tentar evitar oscilações bruscas no mercado de câmbio causadas pela entrada e saída de capitais especulativos. Embora ainda pequeno, o fluxo de capital financeiro cresceu de US$ 184 milhões no primeiro trimestre de 2004 para US$ 561 no mesmo período deste ano. De acordo com as novas normas oficiais, o dinheiro que ingressa tem de permanecer no país por pelo menos um ano. "A saída do default deve gerar sem dúvida um aumento do ingresso de capitais", disse Norberto Sosa, analista do banco de investimentos Raymond James. "Esses dólares vão ingressar quando já há um excesso de divisas provenientes do superávit comercial", afirmou ele, que prevê dificuldades para o governo manter a moeda americana no patamar atual. Embora os funcionários do banco central argentino digam que a instituição trabalha com um esquema de metas de inflação, as intervenções praticadas pelo BC mostram com clareza que o objetivo da política monetária é influir no câmbio. As compras combinadas de dólares pelos bancos Central e Nación, principal entidade financeira estatal, subiram de uma média diária de US$ 32 milhões em 2004 para US$ 98 milhões no mês passado. Por enquanto, o governo está conseguindo conter o aumento de liquidez no mercado e uma disparada da inflação absorvendo os pesos emitidos para a compra de dólares com a venda de títulos públicos, as chamadas Lebac. O estoque desse tipo de título subiu de 14,67 bilhões de pesos (US$ 5,1 bilhões) em dezembro de 2004 para 18,70 bilhões (US$ 6,5 bilhões) no mês passado, com um aumento dos juros para as colocações de 30 dias de 2,85% para 5,5% anual. Mesmo com a retirada de pesos do mercado, o aumento das emissões para a compra de dólares colaborou para um aumento da inflação. O topo da meta do BC para este ano é de 8%, mas a maioria dos analistas acredita que o índice ficará em torno de 10%. O dado de maio será divulgado amanhã. Com eleições parlamentares em outubro, a expectativa é que Kirchner tente manter o crescimento da economia - que ano passado expandiu 9% mas está desacelerando - com medidas de estímulo ao consumo, mesmo que isso signifique um aumento da inflação.