Título: A questão da prova pericial no processo civil
Autor: Francisco Maia Neto
Fonte: Valor Econômico, 03/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"A previsão legal é incompleta, pois não existe determinação quanto à forma de realização da perícia"

Ao proferir a palestra de abertura do Congresso Extraordinário da Union Panamericana de Associaciones de Valuacion (UPAV), ocorrido em São Paulo em 1997, concomitantemente ao IX Congresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias (Cobreap), o ministro Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou a perícia como a "rainha das provas", o que demonstra sua importância como instrumento probatório. Nossa análise da situação da perícia no processo civil inicia-se no Código Civil de 1929, que previa a nomeação de um perito da livre escolha do juiz, permitindo a indicação, pelas partes, de assistentes técnicos que poderiam acompanhar os trabalhos do perito e impugnar as conclusões trazidas em seu laudo. Três anos depois veio a alteração promovida pelo Decreto-Lei nº 4.565, determinando que o juiz nomearia o perito somente na hipótese das partes não chegassem a um consenso sobre a escolha de um nome comum. Em 1946 surge outra alteração no texto legal, desta vez consagrando a figura do perito desempatador, que vigorou até a publicação do Código de Processo Civil (CPC), de 1973. O perito desempatador só era nomeado caso as partes não indicassem um perito comum, ou na hipótese de cada parte indicar o seu perito, se as conclusões não satisfizessem o juiz, o que invariavelmente ocorria, pois estes transformavam-se em advogados de defesa das partes que os haviam indicado. A mudança introduzida pelo Código de Processo Civil de 1973 retroage ao dispositivo previsto no Código Civil de 1929, inovando apenas no que se referia a determinados requisitos exigidos dos assistentes técnicos, no tocante à sua imparcialidade, pois, ao contrário da concepção anterior, estes não eram mais os auxiliares da parte que os indicava, mas, antes de tudo, auxiliares do juiz. Esta foi a sistemática adotada até a edição da Lei nº 8.455, ocorrida em 1992, que retirou estas características, uma vez que o assistente técnico, na prática, nunca pautou pela imparcialidade, pois ninguém contratava um profissional senão com o intuito de demonstrar o acerto de suas posições, baseado nos elementos técnicos obtidos. O assistente técnico é o auxiliar da parte, aquele que tem por obrigação concordar, criticar ou complementar o laudo do perito, através de seu parecer, cabendo ao juiz, pelo princípio do livre convencimento, analisar seus argumentos, podendo fundamentar sua decisão em seu trabalho técnico. Seguindo o processo evolutivo do instituto da perícia, no fim do ano de 2001, com a edição da Lei nº 10.358, surgiram algumas novidades, ainda muito recentes, pouco assimiladas e sem um acervo jurisprudencial, o que nos leva a interpretações doutrinárias sobre o tema. A primeira alteração refere-se à nomeação do perito e indicação dos assistentes técnicos, com a possibilidade do juiz nomear mais de um perito e as partes indicarem mais de um assistente técnico, sendo a interpretação corrente que esta nova prerrogativa refere-se a uma mesma categoria profissional.

Com a edição da Lei nº 10.358/01 surgiram novidades, ainda pouco assimiladas e sem um acervo jurisprudencial

Em nosso entendimento, a previsão legal se mostrou incompleta, uma vez que não existe determinação quanto à forma de realização da perícia, que recomenda-se que seja feita em conjunto pelos profissionais envolvidos. Caso contrário, poderão surgir antagonismos entre os próprios peritos e até mesmo entre os assistentes, o que dificultará a apreciação da prova, existindo algumas opiniões no sentido de que o juiz deveria desde logo nomear um deles como o coordenador da perícia. No que tange à possibilidade de indicação de mais de um assistente, ainda que o juiz tenha nomeado um só perito, o entendimento é de sua admissibilidade, cabendo unicamente à parte o ônus desta escolha, cuja rejeição se enquadraria em cerceamento de defesa, assim como, inversamente, se o juiz nomear mais de um perito, a parte pode indicar somente um assistente técnico. Essa questão inclusive se torna mais evidente após a reforma constitucional que extinguiu as férias forenses nos meses de janeiro e julho, uma vez não existir mais suspensão de prazos, o que pode resultar na perda de prazo do assistente técnico quando da entrega de seu parecer, caso se encontre em férias quando o perito entregar seu laudo. A outra novidade refere-se ao termo inicial da perícia, ao determinar que as partes tenham ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para o início dos trabalhos periciais. Com essa previsão, alguns profissionais incorreram em grave equívoco ao entenderem que o perito seria obrigado a comunicar aos assistentes técnicos, quando na verdade a previsão legal obriga a comunicação aos advogados, pois são eles que representam as partes. Uma corrente entende que o perito deve apresentar uma petição ao juiz solicitando essa marcação ou até mesmo sugerindo a data e o local, o que não nos parece recomendável, pela notória demora que resulta no andamento do processo judicial. O procedimento que muitos estão adotando compreende o envio de uma carta via aviso de recebimento aos advogados das partes, comunicando, com antecedência, a data - que engloba dia e hora - e o local, não esquecendo de, por questões éticas, comunicar o mesmo por fax ou telefone aos assistentes técnicos. A terceira e última alteração faz referência ao prazo de entrega do parecer pelo assistente técnico, fixado em até dez dias após as partes serem intimadas sobre a entrega do laudo, e não mais independente da intimação, que levou alguns a confundirem o termo inicial com o protocolo, em clara ofensa ao princípio do devido processo legal. Uma dúvida que ainda persiste refere-se à coincidência de prazos entre a vista ao advogado - de cinco dias - e a entrega do parecer do assistente técnico - de dez dias -, podendo este último acontecer após o término do prazo para a manifestação dos advogados. Dessa forma, o que tem acontecido são os advogados peticionarem sobre o laudo pericial, se reservando o direito de comentarem os pareceres dos assistentes técnicos após os respectivos protocolos.