Título: O apelo aos bancos multilaterais
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Brasil, p. A2

Já que a relação entre Brasil e Argentina, mais que uma opção, é um destino, como afirmam as mais diferentes cabeças pensantes de nossa diplomacia, é sempre bom conhecer o que se pensa no país vizinho. E saber o que pensam os consultores da Ecolatina, empresa de consultoria de grande influência em Buenos Aires, que já pertenceu ao atual ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, sempre é instrutivo. A Ecolatina pensa, por exemplo, que é uma boa idéia essa história de comércio Sul-Sul. Em um de seus últimos informes, a Ecolatina começa reconhecendo que é muito difícil alcançar acordos nas complexas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e para o tratado de livre comércio entre União Européia e Mercosul, e a seguir defende o empenho em negociações comerciais com os chamados mercados não-tradicionais, como a Índia e a União Aduaneira do Sul da África (Sacu), liderada pela África do Sul. Os mercados europeu e americano não devem ser abandonados, diz a consultoria. Mas é com os países em desenvolvimento que há maiores chances de venda de produtos industriais e mais elaborados. No acordo de redução de tarifas de importação assinado entre Mercosul e Índia, por exemplo, dos 450 produtos incluídos em condições mais favoráveis de ingresso no mercado indiano, 62% são produtos industriais em que a Argentina tem vantagens comparativas ou mercadorias com maior grau de componentes científicos e tecnológicos. Esses acordos alçados à prioridade pela diplomacia brasileira são também um caminho vislumbrado pela Argentina por diversificar mercados de exportação e aumentar a qualidade das mercadorias vendidas ao exterior, fomentando a indústria nacional, aponta a Ecolatina. Mas não são suficientes para impulsionar a economia e a indústria argentinas: o país vizinho necessita de mecanismos de apoio às exportações, como dispõem os brasileiros, no BNDES, ressalvam os consultores. Está aí um dos principais pontos de reaproximação entre os dois maiores sócios do Mercosul. Está cada dia mais claro que a promessa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de apoio do BNDES às vendas dos sócios vizinhos, é uma encomenda difícil de entregar. Mas o governo brasileiro está empenhado em encontrar uma fórmula para dar às empresas argentinas (e uruguaias, e paraguaias) algum apoio, do gênero defendido pela Ecolatina.

Apoio do BNDES é difícil de entregar

O caminho, segundo reconhece o presidente do BNDES, Guido Mantega, está nas instituições multilaterais de financiamento, como a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) - este último em plena troca de comando, para a qual o governo brasileiro tem um candidato, o economista João Sayad. E a questão não é obter dinheiro de financiamento dessas instituições, mas instrumentos que possam servir de garantias, nos empréstimos a serem tomados pelos países sul-americanos, hoje carentes desse tipo de aval. "Na verdade, todos os bancos multilaterais, a CAF, o BID, o Banco Mundial, têm dinheiro sobrando. O que falta é garantia", disse Mantega ao Valor. "O que se precisa é mais aval, do BID e da CAF, por exemplo." O governo brasileiro trabalha com esse objetivo, que requer mudanças institucionais nesses órgãos, para permitir o uso de mecanismos de mercado e dar, a países como a Argentina, recém-saída de uma moratória, uma alavanca para os créditos de que depende a indústria - e que, como argumenta a consultoria argentina, são um complemento indispensável a essa estratégia do Palácio do Planalto, de mudança da geografia comercial mundial, com abertura de mercados entre países em desenvolvimento. É nesse contexto que o Brasil começa, nos próximos dias, a buscar votos para o candidato brasileiro ao BID. Está em jogo muito mais que fincar a bandeira nacional num gabinete importante. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendia a integração da infra-estrutura na América do Sul como forma de, a exemplo da União Européia, alcançar a integração política em um prazo mais longo. Hoje, quando a Europa se questiona sobre os rumos da própria integração, é a instabilidade política nas nações sul-americanas que ameaça os sonhos de aproximação econômica na região. Os desafios para o projeto de liderança brasileira exigem mais que os discursos de boas intenções. E faltam instrumentos adequados para ir além dessas manifestações de boa vontade.