Título: Queda de investimento preocupa, diz Mantega
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Brasil, p. A4

Conjuntura Taxa de juro precisa começar a cair para "patamar mais palatável", afirma presidente do BNDES

A queda nos investimentos registrada pelo IBGE em seu mais recente levantamento sobre a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) é a "variável mais preocupante" na economia e foi conseqüência direta das decisões das autoridades monetárias, alerta o presidente do BNDES, Guido Mantega, ex-ministro do Planejamento - onde participou do Conselho Monetário nacional (CMN), não raramente como a voz discordante na ortodoxia que manteve uma apertada meta de inflação para os anos do governo Lula. Os empresários estão prontos para retomar investimentos, mas esperam maior clareza nos rumos da economia, e isso depende da redução dos juros, comenta o presidente do BNDES, com base nos pedidos de financiamento na carteira do banco. Mantega comemorou, em entrevista para o Valor, a decisão tomada semana passada pela Secretaria do Tesouro Nacional, de lançar R$ 150 milhões em um título de longo prazo com juros prefixados. Finalmente, diz o presidente do BNDES, o governo começa a tomar uma medida que ele vinha defendendo como necessária para reduzir os juros de curto prazo: a emissão de títulos com remuneração maior, de prazo mais longo, mas com remuneração prefixada. A estrutura da dívida, hoje, com grande volume de títulos prefixados de curto prazo, torna a política monetária mais custosa, porque aumenta a renda disponível em curto prazo dos credores do governo, a cada elevação das taxas pelo Banco Central, critica Mantega. Valor: O resultado do PIB no primeiro trimestre incomodou o presidente Lula. Como fazer para garantir crescimento de 4% neste ano? Guido Mantega: Não temos de tomar esses resultados do PIB como definitivos. Apuramos o resultado do PIB no primeiro trimestre, que, por sinal, apresentou crescimento em relação ao trimestre anterior. Temos ainda três trimestres para encerrar o ano, e acredito que teremos um desempenho satisfatório do PIB em 2005. Para que isso se concretize, é preciso que haja redução da taxa de juros, é preciso que a taxa em algum momento comece a cair para um patamar mais palatável, mais estimulante para os investimentos. Valor: Esperava-se que ela caísse a partir de agora, no segundo semestre. Mantega: Mas o que se viu no resultado do PIB é que tivemos uma redução principalmente da taxa de investimentos, da taxa de formação bruta de capital fixo. Para liberar consumo pode-se até tomar outras medidas, mas a taxa de juros se reflete em grande medida sobre investimento. Essa é a variável mais preocupante. Mas acredito que esse é um retrato do momento, e se deve ao fato de que o Copom resolveu combater a inflação com elevação da taxa de juros, de modo que ela caminhasse para as metas de inflação que foram fixadas. Na medida em que o controle da inflação resulta eficaz, a trajetória da taxa de juros passa a ser descendente. A idéia é que, estando a inflação sob controle, a taxa de juros venha a ser reduzida, e não só trazendo estímulo para o investimento, como também possibilitando a desvalorização do real. Valor: A inflação já permite baixar os juros? Dado o alto patamar de inflação no primeiro semestre, alguns analistas dizem que é praticamente inviável alcançar a meta até o fim do ano. Mantega: A meta de inflação possui margens de tolerância, tem uma flexibilidade. O cumprimento da meta se dá quando se atinge uma inflação dentro das margens. No ano passado também não se atingiu o centro da meta. Foi 7,5% e o centro da meta era 5,5%. Poderia chegar a 8% e chegou a 7,5%, pode-se dizer que o controle da inflação foi bem-sucedido. Neste ano deve ficar abaixo do que ficou no ano passado. Certamente uma taxa de crescimento mais elevada na economia depende dessa política monetária. Se tiver crescimento, nos próximos três bimestres, algo como 1,5% do PIB, acumularemos 3,5%, 4% no ano. Valor: Mas como recuperar o ritmo de crescimento? Mantega: Que dá, dá. A questão é sempre saber se consegue. O governo tem fortes instrumentos para estimular a retomada do crescimento, a taxa de juros, o crédito. De certa forma, foi a política do BC que arrefeceu o crescimento que estava em curso, foi proposital. Para poder segurar, na opinião deles, o processo inflacionário. A questão é combinar isso com uma taxa de inflação palatável. Valor: Que políticas podem ser tomadas para se chegar a esse crescimento desejável? Mantega: Um dos problemas de uma taxa de juros mais elevada é que ela se reflete sobre a dívida pública, diminuindo o ritmo de decréscimo da relação entre dívida e PIB. Acredito que há outras maneiras de se administrar a dívida pública, que poderia transformar os juros num instrumento mais eficaz, com reação mais forte, mais imediata sobre a economia com mudanças menores nas taxas de juros. Hoje se maneja a taxa de curto prazo para fazer alterações na taxa de longo prazo. Pela estruturação da dívida brasileira, os mecanismos de combate à inflação têm de usar doses mais elevadas do que se tivéssemos outra estruturação. Valor: E qual a conseqüência? Mantega: Hoje, 60% da dívida pública brasileira é constituída de LFT, de curtíssimo prazo. Tem liqüidez no overnight, no curtíssimo prazo, onde há essa taxa de 19,75%. É uma dívida que tem grande liquidez, e, se fosse composta por mais títulos de longo prazo, haveria eficácia maior, com mudanças menores de juros. Poderia ter juro muito menor, no curto prazo, exercendo o mesmo efeito sobre a liquidez. O ideal seria quantidade menor de LFT e quantidade maior de prefixados de longo prazo. Valor: Mas, assim, a dívida ficaria por mais tempo engessada a essas taxas mais altas de juros. Mantega: É um equívoco, porque é preciso distinguir o período de transição, do período mais longo, posterior, de consolidação de uma nova estrutura da dívida. No período de transição, é preciso oferecer ao investidor taxas mais atraentes no longo prazo para ele desistir de ficar líquido no curto prazo. Hoje, a opção é fazer aplicação de 30 dias, com juros de 19,75%. Tem de se tornar atraente a aplicação mais longa. No primeiro momento, pode custar um pouco mais, mas é por pouco tempo. Depois de fazer a migração de parte importante da dívida, começa-se a operar no curto prazo com taxas menores. O ideal seria operar no curto prazo com taxas equivalentes à metade das de longo prazo, 10% em lugar de 19,75% para quem quer aplicar por poucos dias. Valor: Isso significaria aumentar os juros, em um primeiro momento, para além dos 19,75% atuais? Mantega: Não. A situação ideal para se fazer a mudança é com a taxa de juros baixa, mas mesmo assim ainda vale a pena fazer isso, porque vai-se fazendo uma transição. Pode ter um custo inicial, mas, a médio prazo, o custo da dívida se torna menor, e a performance da política monetária passa a ser maior. A estrutura da dívida americana, por exemplo, é toda em médio e longo prazo, no curtíssimo prazo não se ganha nada. Quando o FED faz qualquer alteração, de 0,25 na taxa, impõe perdas e restringe a liquidez, objetivo da política monetária. Aqui no Brasil, quando se faz mudança na taxa de juros, não se impõe perdas, cria ganhos financeiros, todo mundo está líquido, passa de 19,5% para 19,75% e está ganhando. Há um efeito-renda. Valor: Mas encarece o crédito e reduz o investimento... Mantega: Numa ponta tem a redução do investimento, mas na outra, tem o aumento de renda. É claro que redução do investimento deve ser menor que o efeito-renda. Para que obtenha algum resultado, tem de dar uma carga maior nos juros. O que observamos na terça-feira é que o Tesouro está se encaminhando para essa posição, colocou títulos de sete anos, vencimentos de 2008, até 2012 [NTN-F]. Ofereceu para investidores externos. Pagou mais por isso, mas esse é o caminho adequado para a estruturação da dívida brasileira. Valor: A emissão desses títulos prefixados de prazo mais longo não é um ato isolado do Tesouro? Mantega: Não é ato isolado, é um ato de racionalidade da política monetária, e o Tesouro está trilhando um caminho correto. Claro que, para ter eficácia, é preciso que façam emissões maiores, para atrair interesse dos investidores. Tem de ser feito de forma continuada e em volumes adequados para ser eficaz. Valor: Mas não é essa medida que vai garantir um crescimento de 4% neste ano... Mantega: Em algum momento uma medida como essa vai permitir que a taxa de juros de curto prazo seja menos elevada. Mas depende das condições de mercado, da efetividade do lançamento. Talvez não se possa fazer de forma muito rápida, mas está na direção correta. Valor: A queda de investimentos no primeiro trimestre já se refletiu nas operações do banco? Mantega: A queda de investimentos que ocorreu agora ainda não caracterizou uma tendência, ainda é episódica. Nada impede que, no trimestre seguinte, o investimento esteja se recuperando. O desempenho do banco, no primeiro quadrimestre, foi muito semelhante ao do primeiro quadrimestre do ano passado, em termos de volume de recursos liberados, e no primeiro quadrimestre do ano passado a economia estava gerando crescimento, anual, de 5%. É aquém das expectativas do banco, mas não posso dizer que foi um mau desempenho, foi semelhante a um ano em que a economia cresceu 5%. O banco está contribuindo para o investimento, como em 2004. Valor: Está se repetindo o padrão de investimentos do ano passado? Mantega: Ficou no mesmo patamar no primeiro quadrimestre, mas está havendo uma mudança. No setor agrícola, houve redução de crédito, expressando os problemas do setor. No setor exportador, caiu também o crédito. Mas houve expansão de crédito no setor de bens de capital sob encomenda, o chamado setor de bens de capital sem rodas, máquinas e equipamentos para a indústria. O Finame, linha do BNDES para bens de capital, cresceu 52% só no primeiro trimestre, em relação ao ano passado. Valor: A disposição dos empresários é a mesma do ano passado? Mantega: Há menos otimismo do que há alguns meses, até uma certa preocupação em função do patamar de juros. Mas acredito que continuam dispostos a fazer investimentos, tão logo um quadro mais consistente venha a se delinear. Não desistiram, mas postergaram, reduziram o ritmo de investimento, esperando uma decisão [sobre juros]. Foi a própria autoridade monetária que resolveu dar uma freada no ritmo de expansão, por acreditar que a continuidade provocaria pressões inflacionárias. Valor: O BNDES concorda com essa avaliação? Mantega: Não somos especialistas em inflação, então não posso responder.