Título: Crise aberta por ameaça de CPI pressiona Palocci a rever aperto fiscal
Autor: Maria Lúcia Delgado e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Brasil, p. A9

Os aliados do governo acreditam que a superação da crise política passa por mudanças na postura da equipe econômica. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, deu sinais de que está sensível aos problemas políticos. Abriu o cofre, liberando recursos para o pagamento de emendas de parlamentares e para socorrer produtores de arroz e algodão. Nesta semana, deverá anunciar a esperada "MP do Bem", com medidas de alívio tributário para as empresas, e a regulamentação do fundo garantidor que viabilizará a realização de obras por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs). No Congresso, a rigidez orçamentária e a distância dos parlamentares mantida por Palocci são apontadas como razões paras as dificuldades do governo no relacionamento com a base de apoio. Até a semana passada, Palocci não havia autorizado um empenho sequer de despesa prevista em emendas de parlamentares - no início de maio, liberou o pagamento de R$ 250 milhões, mas a quantia era referente a emendas feitas no ano passado (restos a pagar). Na quinta-feira, pressionado pelos líderes dos partidos aliados, o ministro concordou com o empenho neste momento de R$ 400 milhões previstos em emendas de parlamentares. Na sexta-feira, confirmou oficialmente, em audiência com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP), e deputados da bancada ruralista, a liberação de R$ 250 milhões para ajudar produtores de arroz e algodão. Há dinheiro no caixa. De janeiro a abril, o setor público como um todo (União, estados e municípios) gerou superávit primário de 7,26% do PIB, mais de R$ 50 bilhões acima da meta oficial (de 4,25% do PIB). A opção pelo superávit maior tem três razões. Como ainda não sabe como vai se comportar a arrecadação, a área econômica prefere ser mais conservadora no início do ano. Além disso, diante da necessidade do Banco Central de trabalhar com taxas de juros mais altas neste momento, a Fazenda responde com mais superávit para favorecer a queda dos juros. Em terceiro lugar, Palocci optou deliberadamente por uma economia maior para a eventualidade de uma crise internacional. O afrouxamento da política fiscal não compromete a meta de superávit, mas prejudica essa estratégia. Devido ao grau de fragilidade da base no Congresso, parlamentares dos partidos aliados argumentam que a liberação de emendas orçamentárias, isoladamente, não será solução para a crise. Mesmo que o governo tenha êxito em abafar a CPI dos Correios, esses parlamentares alegam que, sem melhorar a interlocução entre Executivo e Legislativo e sem indicativos concretos de retomada da atividade econômica, dificilmente a sustentação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva se manterá inabalada até 2006. Nas análises que tem feito com os ministros, Lula reconhece que o principal problema do momento é a economia, mas ele não pensa em mudar o rumo. O presidente enfatizou que é preciso chegar ao fim do ano com crescimento de 4% do PIB. A equipe econômica acredita que, apesar da desaceleração ocorrida no primeiro trimestre, o Brasil poderá chegar ao fim do ano crescendo a essa taxa ou acima. "Se fecharmos o ano com um PIB de 2%, será letal para esse governo", admitiu um ministro. No Palácio do Planalto, aposta-se na queda gradual da taxa básica de juros a partir de julho, o que permitiria que a economia voltasse a crescer de forma acelerada no início de 2006. A criação da CPI dos Correios tornou ainda mais evidente o desgaste da base e a dificuldade de articulação política. A instabilidade, aliada a problemas na economia, fez milagre. Pôs os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Aldo Rebelo (Coordenação Política) em sintonia. Lula comemorou. Agora, permanece a dúvida sobre se Rebelo ficará ou não no cargo. "Se o presidente não reformular o ministério, não ganha a eleição. Pode até mudar dentro do próprio PT, mas com pessoas mais ágeis", disse o líder do PP, deputado José Janene (PR). Ficou evidente, na crise atual, que o PT gera contradições para o governo. O próprio Lula foi inicialmente contra qualquer manobra para barrar a CPI. Só se convenceu do contrário após ministros e líderes alertarem para o uso político que a oposição faria da CPI. A demora do governo em unificar o discurso deixou os aliados desorientados. A articulação dá sinais de melhora. O ministro Palocci mostrou-se mais atuante na semana passada, o que ajuda no trabalho de articulação. Na reunião com os líderes aliados, ouviu críticas à política econômica. "Batemos no superávit. O que adianta para nós é investimento. O Palocci é manso, concorda com tudo, mas não fala exatamente o que vai fazer", disse o líder do PL, Sandro Mabel (GO). Se o governo não mudar o rumo na economia, alertou, a base não permanecerá ao lado de Lula até o fim do ano. O líder do PP afirmou que a liberação de emendas é uma obrigação. "Há emendas que eles empenharam, foi feito o convênio para obras e depois parou tudo. Não queremos nem que empenhe mais este ano. É só pagar o atrasado", afirmou. Os problemas, segundo ele, são a falta de boa vontade dos ministros com os parlamentares e a política econômica. "Vamos sofrer uma crise em função desse câmbio. Falei para o ministro Palocci que a crise na agricultura é a pior dos últimos tempos. Precisamos de atitude de governo", cobrou Janene, sugerindo também a revisão do Refis. Janene disse ainda que, se o presidente tiver juízo, nomeará Djalma Rodrigues de Souza para a diretoria de Exploração e Produção da Petrobras. "Foi o governo que fez essa oferta ao Severino. Não é indicação do PP. O Severino é um magistrado e grande aliado. Se isso não se concretizar, não sei se ele continuará agindo dessa forma", alertou.