Título: O impacto dos preços siderúrgicos sobre a inflação
Autor: Luiz Roberto Cunha e Luis Otávio Leal
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Opinião, p. A12

Aumento reflete recuperação de um setor que estava em baixa

A análise do impacto dos preços dos produtos siderúrgicos na inflação, um assunto que tem sido objeto de polêmica nos últimos meses, deve levar em consideração alguns pontos importantes que serão abordados neste artigo: 1) os aumentos dos preços siderúrgicos têm uma abrangência mundial, não se restringindo ao Brasil; 2) os aumentos recentes não podem ser considerados abusivos, dada a conjuntura mundial; 3) o impacto dos setores ligados à cadeia do aço sobre o IPCA não são desprezíveis no curto prazo, mas a cadeia do aço vem mostrando nos últimos quatro anos reajustes abaixo da inflação corrente e 4) o problema da inflação no Brasil está muito mais relacionado a questões estruturais do que a elevações pontuais de preços em setores específicos. Dada a longa e ineficiente experiência do Brasil em controle de preços, cujos resultados geraram muitos mais distorções sobre o desenvolvimento da indústria do que efeitos sobre a inflação, sempre é bom lembrar que a teoria econômica define que a melhor forma para o mercado alcançar a máxima eficiência é o mecanismo de preços. Assim, a influência do governo no mercado deveria se limitar a tentar fazer o equilíbrio entre a eficiência e a equidade e minimizar as chamadas "falhas de mercado". Como não se pode considerar que o mercado de aço necessite de busca de equidade entre os participantes, e as questões de concentração tem foro próprio, vemos poucas justificativas para o governo tentar influenciar a formação dos preços no setor, até porque as tentativas de os influenciar podem implicar em incentivos errados, gerando resultados aquém da eficiência. A formação de preços no mercado siderúrgico tem uma característica importante por serem esses "bens comercializáveis", assim como a soja, o minério de ferro e muitos outros. Para esses bens os preços internacionais têm um impacto significativo na formação de preços internos, tanto pelo fato des concorrerem com os importados, quanto pela competição no mercado internacional. Portanto, para esse tipo de bem, discrepâncias entre os preços internos e os preços externos são rapidamente aproveitadas por algum agente para lucrar com a arbitragem dessa diferença, de modo que, sem intervenções, é de se esperar que não haja muita diferença nos comportamentos internos e externos. Isso fica claro se comparamos os preços do setor siderúrgico no Brasil e nos EUA. Para isso, iremos observar o preço relativo do item Ferro e Aço no IPA industrial e o do item Iron and Steel no PPI Industrial Commodities americano, no período que vai de janeiro de 1999 até fevereiro de 2005. Pode-se concluir que o recente aumento dos preços do item metalurgia no IPA tem paralelo com o comportamento do seu similar no PPI americano, sendo que tanto no curto prazo, quanto em um prazo mais longo, a contribuição do setor de ferro e aço na inflação industrial foi menor no Brasil que nos EUA. Passando da análise do setor em si, para a observação dos efeitos para frente dos recentes aumentos na cadeia do aço, notamos que estes refletem, além das pressões nas matérias primas de uma forma geral, a recuperação de um setor que apresentou nos últimos anos variações bem abaixo da inflação corrente. Para proceder essa comparação, utilizamos a metodologia sugerida pelo Banco Central do Brasil no Relatório de Inflação de Março de 2005, na qual é apresentado um "Índice de Preços da Cadeia do Aço" que perfaz 9,64% do IPCA geral.

Os bens ditos comercializáveis têm uma dinâmica de formação de preços da qual não se pode fugir

Desde janeiro de 2001 até meados de 2004, os setores ligados à cadeia do aço contribuíram para manter o IPCA em níveis mais baixos. Só para efeito de comparação, caso o IPCA-Cadeia do Aço tivesse ficado no mesmo nível do IPCA geral, a inflação acumulada entre agosto de 1999 e fevereiro de 2005 seria 1,5 ponto percentual mais elevado. Uma conclusão necessária das observações acima é que não devemos nos preocupar em demasia com o impacto do aumento do aço (ou da soja, dos televisores, do minério de ferro, etc...) sobre a inflação. Esses preços têm a sua lógica de formação e não há nada que se possa fazer sem causar distorções no mercado. O problema da inflação no Brasil, ou melhor dizendo, de uma certa resistência da inflação no últimos meses aos instrumentos da política monetária, está muito mais relacionado aos preços administrados e à sua trajetória, sistematicamente acima dos demais preços devido à indexação contratual. Isso acaba exacerbando o impacto dos demais preços sobre a inflação, tornando movimentos normais de preços de mercado em discussões acaloradas a respeito do impacto destes sobre toda a economia. Em termos de comparação, se acumularmos o IPCA, o IPCA da Cadeia do Aço e os Preços Administrados, desde agosto de 1999 até fevereiro de 2005, vamos encontrar uma variação de 58,38% para o primeiro, 48,73% para o segundo e de 91,00% para o terceiro. Considerando o peso dos Preços Administrados (29,09%) e do IPCA da Cadeia do Aço (9,64%) no IPCA geral, podemos notar que a contribuição dos primeiros é mais de cinco vezes maior. Isso deixa claro que se a inflação está em aceleração, a culpa é menos dos produtos siderúrgicos e mais dos resquícios de indexação da economia brasileira (um claro exemplo de intervenção do governo na formação de preços da economia). Portanto, pode-se concluir que a inflação no Brasil tem raízes muito mais profundas do que as discussões acerca da quebra na safra da soja, do aumento da demanda por televisores, do aumento dos preços do minério de ferro ou se a cadeia do aço vai ser a responsável pelo cumprimento ou não das metas de inflação. Finalmente, nunca é demais ressaltar que preços de "bens comercializáveis", como o caso dos siderúrgicos, têm uma dinâmica de formação de preços da qual não se pode fugir - às vezes eles caem, as vezes sobem, mas o importante é que o país os produza de forma eficiente, podendo competir no mercado internacional.