Título: Plano coloca TAP no controle da Varig
Autor: Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Empresas &, p. B2

Aviação SPE seria criada para emitir dívida de US$ 2 bilhões, viabilizando a compra de créditos externos e aviões

O plano de recuperação da Varig proposto pela TAP prevê uma engenhosa ginástica financeira, com a execução de quatro estágios principais: 1) emissão de dívida no exterior no valor de US$ 2 bilhões para a compra de créditos internacionais e aviões; 2) capitalização da aérea com as dívidas adquiridas; 3) encontro de contas com o governo; e 4) oferta pública de ações da Varig e uso dos recursos arrecadados para quitar a dívida privada. Ao final do processo, a estatal portuguesa ficaria com até 20% do capital total da Varig e o controle da aérea brasileira. Isso porque o capital votante seria pulverizado em bolsa, deixando a TAP como a maior acionista individual a deter ações ordinárias. O Valor avançou em detalhes da proposta apresentada na quinta-feira ao governo brasileiro pelo presidente da TAP, o brasileiro Fernando Pinto, e pelo presidente do conselho da Varig, David Zylbersztajn. O plano não prevê uma injeção inicial de recursos pela TAP. A aérea portuguesa desembolsaria dinheiro apenas ao final do processo, quando os demais estágios tivessem sido bem-sucedidos, para comprar ações da Varig simultaneamente à oferta pública. Ainda assim, em condições vantajosas, com desconto em relação aos demais investidores. Esse desconto é colocado como uma espécie de remuneração à TAP pelo papel de idealizadora e catalisadora da recuperação. Não existe garantia de que esse será o desenho final ou que o plano será bem-sucedido. Mas esses são os termos iniciais em negociação. Na primeira parte, o plano prevê a criação de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), de capital nacional. Essa empresa emitirá um total de US$ 2 bilhões em títulos de dívida no exterior. Esses papéis serão usados para que a SPE possa adquirir os créditos dos credores estrangeiros, avaliados em torno de US$ 500 milhões, e também os aviões das empresas de leasing, estimados em US$ 1,5 bilhão. Os credores externos e as empresas de leasing subscreveriam esses títulos. As empresas de leasing teriam os aviões como garantia. Dessa forma, os credores da Varig passariam a ser credores da SPE que, por sua vez, seria a nova credora da aérea. A adesão de credores e empresas de leasing é fundamental para que o projeto deslanche e é nisso que a TAP trabalha. Em seguida, a SPE usaria esses créditos para fazer um aumento de capital na Varig no valor de US$ 2 bilhões. A transformação das dívidas em capital reduziria o endividamento da aérea e o seu rombo patrimonial, de US$ 2,5 bilhões. Como resultado dessa capitalização, a empresa criada deteria, de forma transitória, 90% do capital da Varig. A Fundação Ruben Berta, que hoje tem 55% do capital total e 87% do votante, ficaria com apenas 5% a 6% do capital total. Quase que simultaneamente a essa capitalização, o plano prevê que ocorra o tão falado encontro de contas entre dívidas tributárias que a Varig tem com o governo e a indenização que a aérea tem a receber em um processo judicial contra a União. O encontro de contas não eliminaria toda a dívida com o governo - restariam US$ 1,5 bilhão. Mas o patrimônio líquido da empresa ficaria positivo. Feita a capitalização, a SPE faria uma venda das ações da Varig. A TAP compraria até 20% em uma operação privada e o restante seria pulverizado em uma oferta pública. O dinheiro levantado com a venda das ações seria usado integralmente para resgatar os títulos das mãos dos credores externos e empresas de leasing, amortizando parcial ou totalmente as dívidas. Não se sabe ao certo quanto poderia ser captado com a venda das ações. Como parâmetros, vale lembrar que a Gol tem um valor em bolsa de cerca de R$ 7 bilhões, enquanto a TAM deve chegar ao mercado neste mês com valor de, no máximo, R$ 3 bilhões. As dificuldades à frente não são poucas, como, de resto, acontece com todas as propostas para reerguer a Varig. O convencimento dos credores e empresas de leasing é o primeiro desafio a ser superado. Ainda que indiretamente, em dado momento, enquanto existir a SPE, os credores praticamente estarão no controle do capital da aérea. E esse é o tipo de situação evitada por empresas de leasing e fornecedores de aeronaves. O tão falado encontro de contas com o governo também é imprescindível na estrutura desenhada. É sabido que existe resistência por parte de setores do governo e que a Advocacia Geral da União já se pronunciou contrariamente a ele em mais de uma ocasião. Outro ponto que não está resolvido é se o mecanismo da SPE eliminará completamente o risco de sucessão em relação a dívidas da Varig. A SPE é uma estrutura muito comum nesse tipo de operação, por segregar o risco e oferecer algumas garantias e certa blindagem aos investidores. Mas se a imunidade será completa, ainda é um ponto em estudo. Por fim, mas não menos importante, está a questão do controle da Varig por um acionista estrangeiro. Uma das possibilidades estudadas era que a TAP ficasse com 20% do capital total da aérea, mas apenas com ações ordinárias. Numa estrutura societária de um terço de ações ordinárias e dois terços de preferenciais, isso daria à TAP 60% das ações votantes. No entanto, o Código Brasileiro de Aeronáutica é explícito ao limitar a participação estrangeira ao máximo de 20% das ações votantes. E, segundo uma fonte, algumas sondagens junto ao governo mostraram que não existe espaço para modificar a legislação. Daí a idéia alternativa de pulverizar as ONs da Varig para que a TAP detenha a maior fatia de ações ordinárias e fique com o controle. Mesmo que essa questão seja acomodada, certamente deverá causar muita polêmica ainda o fato de cair em mãos portuguesas o controle da companhia aérea brasileira que executa o maior número de rotas internacionais a que o Brasil tem direito pelos acordos bilaterais.