Título: Crise boliviana pode elevar os preços no Brasil em 17%
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Empresas &, p. B10

Gás Governo e Petrobras, embora evitem o assunto, já calculam o impacto

Além de suspender investimentos, a crise política da Bolívia e a nova legislação para o setor de petróleo e gás, que elevou os impostos sobre a produção no país, poderá provocar aumento do preço do gás natural vendido no Brasil. Até o momento, o governo brasileiro e a Petrobras tem se esquivado quando abordados sobre o assunto, mas já fizeram as contas. O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), calcula que se for aplicada a nova taxação sobre o gás oriundo da Bolívia será preciso elevar o preço em 17% - de US$ 3,54 por milhão de BTU (British Termal Unit, medida usada como referência do teor calorífico do gás) para US$ 4,13 o milhão de BTU. A alternativa, caso não ocorra o aumento, é a Petrobras absorver o impacto da alta de 32% para 50% sozinha. Uma fonte do governo brasileiro ouvida pelo Valor com a condição de não ser identificada diz ser prematura a discussão sobre aumento de preços no país. "Não admitimos qualquer que isso ocorra, independentemente de qual gás se esteja falando. Isso vale para o importado da Bolívia, para o da bacia de Campos e qualquer outro", afirmou. Ressaltou ainda que, até o momento, não existem elementos que permitam concluir se serão necessários aumentos de preço. O argumento até agora usado na Petrobras é que é preciso aguardar a regulamentação da nova lei. Entre outras medidas, ela transforma os 72 contratos de risco compartilhado em contratos de prestação de serviços - o que exigirá repactuação em 180 dias . O problema é que nem os bolivianos sabem como fazer isso. Enquanto debatem a nacionalização total das reservas de gás - o país tem a segunda maior reserva da região, com 782 bilhões de metros cúbicos - as províncias mais ricas do país clamam por independência política, levando o presidente da Bolívia, Carlos Mesa, a marcar uma assembléia constituinte e um referendo. Na Argentina, a crise energética, que já foi alvo de racionamento, pode piorar neste e no próximo ano, prevê Sophie Aldebert, diretora associada da Cambridge Energy Research Associates (Cera) no Brasil. "A Argentina não se tocou ainda que qualquer gás que ela importe é mais caro do que aquele que já tem. E quanto mais ela demorar para entender isso, mais irá aprofundar sua crise", avalia. Um executivo da Petrobras tem opinião semelhante, mas acha que o Chile também não enfrenta um momento tranqüilo. "A situação da Argentina e do Chile é a pior de todos na região. O Brasil não é refém da Bolívia, que está criando um ambiente de desconforto muito grande entre os vizinhos e jogando fora a oportunidade de vender gás para Argentina, que sempre foi um parceiro confiável e que hoje enfrenta situação difícil." Para a diretora da Cera, o Chile entendeu que a partir de agora terá de comprar energia mais cara - aumentou o preço da geração em 30%. "Eles olham projetos de gás natural liquefeito vindo pelo Pacífico, importações do Peru e também começaram a considerar a hidro-eletricidade", diz Sophie. Ela ressalta ainda que o país tem uma política de continuidade, melhorou seu quadro regulatório enquanto o Brasil "reinventa-se a cada cinco a dez anos". Com a incerteza gerada na Bolívia, os vizinhos começam a olhar alternativas de suprimento para Argentina e Chile, maiores consumidores e que não têm capacidade de produção que atenda sua demanda. Uma possibilidade de substituição do gás boliviano citada pela diretora da Cera está nas imensas reservas do campo de Camisea, no Peru. Com reservas avaliadas em quase 10 trilhões de pés cúbicos (TCF) de gás - volume superior ao das reservas estimada pela Petrobras em dois blocos da bacia de Santos - a extração de Camisea, por ser em terra, pode ser mais barata. O campo pertence a um consórcio formado pela canadense Hunt Oil, a argentina Pluspetrol e a estatal Sonatrach, da Argélia, mas ainda não foi posto em produção. Por isso, Camisea só pode ser uma opção no fim da década, o que eleva os riscos de suprimento para países da região no período 2006 a 2009, incluindo o Brasil. Com base em dados da própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Pires, do CBIE, alerta para o risco de déficit de energia de 3,1% no Brasil em 2009 e de 7,9% em 2010, caso o consumo cresça 5,2% entre 2005 e 2010. Pires lembra que a própria ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, já admite a possibilidade de faltar energia no Brasil em 2009 e por isso afirma que é crucial para o país dispor de toda a capacidade instalada de suas termoelétricas. Mas para isso, é preciso ter gás. "O problema é que hoje, o lastro para as térmicas do Nordeste é de apenas 23% da capacidade de geração, enquanto no Sudeste chega a 80%. Já existe um déficit invisível de gás natural no país. É assim porque as térmicas estão desligadas. O governo vai ter que desestimular o uso de gás natural no curto e médio prazos para aumentar o lastro para essas térmicas. Não há outra maneira de atender ao aumento da demanda elétrica, a não ser que o país não cresça", afirma Pires. Entre os países da região, Sophie acha que o Brasil terá de contar com as térmicas em 2009 "para se manter longe do buraco". Para ela, se não entrar em novos empreendimentos ou se houver grande atraso, a queda da margem de segurança do suprimento será muito rápida. A Cera avalia que na Argentina, maior pivô da crise, a situação ainda vai piorar até 2008. O país ainda está resolvendo um grande problemas: a falta de capacidade de transporte.