Título: Venda de título público a estrangeiro é polêmica
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2005, Finanças, p. C1

Dívida Pública Interna Tesouro quer incentivar investimento externo

As medidas que o Tesouro Nacional prepara para incentivar a aquisição de títulos públicos por estrangeiros, se bem-sucedidas, farão com que um pedaço representativo da dívida interna brasileira seja transferido para investidores no exterior. A experiência internacional mostra que esse tipo de estratégia pode deixar o país mais vulnerável. As crises do México e da Rússia, respectivamente em 1994 e 1998, foram amplificadas justamente porque quase a totalidade dos papéis da dívida interna naqueles países era detida por estrangeiros. Especialistas e o próprio Tesouro reconhecem que uma abertura sem cuidados da dívida interna deixaria a economia mais exposta. Mas ponderam que não é o caso: as características do mercado doméstico garantem que o grosso da dívida interna continuará em mãos de brasileiros, e as vantagens do projeto superariam em muito os riscos, considerados reduzidos. O secretário-adjunto do Tesouro, José Antônio Gragnani, afirma que o mercado doméstico é bastante desenvolvido, por isso os investidores nacionais seguramente continuarão a deter a maior parte dos títulos. "Se não tivéssemos um mercado financeiro forte, obviamente haveria riscos em abrir para estrangeiros", disse Gragnani. "Hoje, a participação de investidores estrangeiros na dívida interna é irrisória, e vai levar muito tempo para eles aumentarem sua presença." Pela regra atual, estrangeiros já podem comprar dívida interna. Mas, devido a questões burocráticas e tributárias, o interesse é baixo. O Tesouro estuda medidas para atrai-los, como adequar o horário de funcionamento dos mercados locais aos internacionais, assim como os prazos de liquidação. O governo também reexamina a tributação. "No fundo, a questão é sobre até que ponto o Brasil deve abrir sua conta de capitais", afirma o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, da Tendências. "Cedo ou tarde o Brasil vai ter que enfrentar essa questão, deixando de impor limites para estrangeiros investirem no Brasil, e a brasileiros, no exterior." O essencial, diz, é que a abertura seja progressiva, e cercada de cuidados. Loyola argumenta que o maior ensinamento da crise asiática, de 1997, é que o país não deve abrir a conta de capitais sem a devida regulação prudencial do sistema - para evitar que capitais estrangeiros de curto prazo sejam usados para financiar projetos de longo prazo. Em 1994, a crise no balanço de pagamentos vivida pelo México foi agravada pelo fato de que quase 100% dos títulos da dívida interna eram detidos por estrangeiros. Quatro anos depois, a história se repetiu na Rússia, que decretou a moratória. No outro extremo está o Brasil de 2002, que, em uma severa crise de balanço de pagamentos externo, conseguiu rolar sua dívida interna - ainda que com prazos menores e prêmios mais elevados - graças a uma base de investidores nacionais. O ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos, reconhece que é saudável manter a dívida interna em mãos de brasileiros - mas avalia que o projeto do Tesouro não irá desnacionalizá-la. "A indústria de fundos brasileira é muito desenvolvida e competitiva, e carrega algo como 60% da dívida pública." Ele considera que a estratégia do Tesouro trará vários benefícios para a administração da dívida pública. "A base de investidores vai aumentar, e isso, por si só, já é extraordinário, pois o Tesouro pagará menos", disse. "Além disso, os estrangeiros investem em prazos mais longos, o que vai contribuir para alongar cada vez mais a dívida pública." O risco de não desobstruir o caminho para que os estrangeiros invistam em títulos, afirma Figueiredo, é "exportar" mais um pedaço do mercado financeiro, a exemplo do que ocorreu com o mercado acionário. Hoje, diz, estrangeiros já preferem aplicar em instrumentos derivativos de renda fixa - seja na BM&F ou no exterior, por meio dos non-deliverable forwards (NDF) - a adquirir títulos públicos. A observação que Figueiredo faz ao projeto do Tesouro é que, para que seja eficaz na atração de estrangeiros, será necessário caminhar bem além das questões burocráticas - avançando também no aspecto tributário. "Sem mexer nos tributos, o projeto não terá resultado algum", afirmou. Ele aponta algumas situações que desestimulam o investimento no Brasil. Uma é o impedimento para que as margens de garantia dos negócios na BM&F sejam depositadas no exterior - o que impõe um custo de transação (para entrar com recursos no país) e tributário (referente aos impostos cobrados em ganhos da diferença entre as taxas de câmbio de entrada e de saída). Outro ponto é que, no Brasil, o tributo é cobrado em cima do ganho das aplicações em reais, em vez de ser calculado no ganho do investidor estrangeiro em moeda estrangeira. O investidor que lucra em reais pode, na verdade, estar perdendo quando os valores são convertidos em dólar, por causa da oscilação do câmbio. "Ocorrem situações em que o investidor estrangeiro sofre um prejuízo e ainda por cima paga imposto." Uma possível solução, diz, é criar fundos para estrangeiros com um tratamento diferenciado, como o antigo Anexo VI.