Título: As oportunidades e os riscos da crise
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2005, Política, p. A4

Crise é risco e oportunidade. O que impressiona, no atual governo, é a incapacidade para enxergar os riscos e explorar as possibilidades da atual crise política e levar o país até o porto seguro das eleições presidenciais do próximo ano. Arrisca-se a ser levado de roldão pelas soluções que as crises geralmente carregam em si mesmas. Os riscos são evidentes. O pior deles, nesse momento, seria a "contaminação" da economia pela política, que já bateu nas franjas do mercado como demonstram a queda da bolsa, o dólar e o risco-país em alta, no dia de ontem. É hora de equilíbrio e bom senso, seja no governo ou na oposição. Os tucanos parecem ter compreendido a dimensão das declarações do deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, sobre o pagamento de "mesada" a congressistas pelo PT. Presidenciáveis como Geraldo Alckmin e Aécio Neves tiraram o pé do acelerador. Temem o risco de uma crise institucional. Ao contrário do PFL, que pediu o impeachment de Lula, os tucanos preferiram esperar por uma resposta do governo. Deve-se registrar que ela foi pífia: o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política), após horas de reunião, apareceu para dizer que não se tratava de uma denúncia contra o governo, era um problema dos partidos políticos. O repórter Eduardo Scolese, da "Folha de S. Paulo", pensou rápido: "Então, o que o senhor está fazendo aqui?" A denúncia de que o governo pagava "mesada" a congressistas em troca de votos e o retrato cru do fisiologismo feitos por Jefferson são sim um problema do governo. Não é só um problema do PT. Nunca antes, desde a redemocratização, partido e governo estiveram tão confundidos no interior do Estado brasileiro. Nem um problema só de Delúbio Soares: o tesoureiro do PT e da campanha eleitoral do presidente não costuma agir por conta própria. Essa simbiose está na origem da atual crise, que nem é tão atual assim, vem desde o escândalo Waldomiro Diniz, o ex-assessor da Casa Civil pilhado quando pedia propinas e traficava influência nos desvãos da administração petista.

O ambiente é propício à reforma política

A resposta de avestruz é a pior que Lula poderia dar neste momento. Interessa ao governo e ao PT, talvez mais até que à própria oposição, dar esclarecimentos convincentes sobre as denúncias do presidente nacional do PTB. Elas parecem revelar um padrão, permitem juntar as peças: Waldomiro Diniz, Correios, IRB, Eletronorte. A incapacidade de Lula de apresentar saídas para a crise causa pessimismo no PT aliado do presidente. Nem só pela CPI dos Correios. A avaliação é que ainda há espaço para evitá-la, nem que seja daqui a duas ou três semanas. Mas seria uma saída circunstancial, pois se considera a crise estrutural, que requer algo mais programático do que soluções tópicas, o que Lua não dá demonstrações de ter ou de querer fazer. A crise oferece uma janela de oportunidades também para o Congresso. Em pelo menos duas frentes. Uma delas é o resgate da imagem irremediavelmente comprometida, com a punição de deputados e senadores envolvidos nas denúncias. O Congresso sempre teve um instinto de sobrevivência aguçado, como demonstra a CPI dos Anões do Orçamento, quando não hesitou em cortar cabeças. Agora, assim como as dúvidas que pesam sobre a capacidade de Lula de encontrar saídas para a crise, há desconfiança sobre o que fará o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). No caso de seu conterrâneo e presidente do PP, Pedro Correia (PE), Severino reagiu corporativamente - o processo que envolvia o deputado com a máfia dos combustíveis foi parar no arquivo. A outra janela é a da reforma política, tida como imprescindível mas sucessivamente adiada. Trata-se de uma oportunidade singular. Apesar de abranger temas polêmicos, é possível confeccionar uma agenda mínima que atenda o governo e os partidos, da situação e da oposição. A fidelidade partidária, por exemplo. A cláusula de barreira sofre a oposição das pequenas legendas, mas é consenso entre as grandes. O financiamento público de campanhas exclusivo e o voto de lista são temas polêmicos, mas a discussão pode prosperar, no ambiente atual. São assuntos que tratam de questões que estão no fundo da crise que ameaçam o governo, congressistas e uma indesejada crise institucional.