Título: Governo quer limitar CPI do 'Mensalão' aos partidos
Autor: Cristiano Romero e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2005, Política, p. A5

Crise Estratégia é esvaziar a investigação dos Correios

O governo decidiu ontem, como estratégia para enfrentar a crise política, circunscrever aos partidos e à Câmara dos Deputados as explicações à denúncia de que o PT estaria pagando mesadas a deputados do PL e do PP. Acertada durante reunião no Palácio do Planalto, a estratégia é mostrar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não acobertou a denúncia e que a acusação não foi dirigida ao governo. Na reunião, também ficou acertado, segundo apurou o Valor, que o governo apoiará a criação de uma "CPI do Mensalão" para apurar a denúncia feita pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). A estratégia, proposta pelo governo e debatida na noite de ontem pelos líderes dos partidos aliados, é usar essa CPI para esvaziar a CPI dos Correios. "É bom deixar claro que não há nenhuma acusação que relacione o pagamento de parlamentares ao governo. A denúncia refere-se a um hipotético pagamento de um partido a parlamentares de outros partidos. Portanto, o governo não sofreu qualquer tipo de acusação", sustentou o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. "Os partidos (PT, PL e PP) são o alvo dessa denúncia." Lula foi informado em março, pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, da denúncia de que parlamentares estariam recebendo mesada na Câmara. Jefferson teria abordado o assunto durante reunião com a presença dos ministros Walfrido Mares Guia (Turismo) e Aldo Rebelo, além dos líderes do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE), e do governo, Arlindo Chinaglia (SP). A confirmação foi feita ontem por Aldo Rebelo. O ministro assegurou, no entanto, que, ao tocar no assunto, Jefferson não citou nomes nem fatos. Ele teria feito um "comentário genérico". Na entrevista que deu à "Folha de São Paulo" e que foi publicada ontem, o presidente do PTB acusou o PT de pagar mesadas a deputados do PL e do PP. "Quando se discutia a relação entre o governo e o PTB, de passagem, durante essa conversa, Roberto Jefferson fez referência ao pagamento a parlamentares na Câmara. Encerrada essa reunião, durante a qual não foi feito nenhum comentário por nenhum dos presentes da fala de Jefferson, o presidente solicitou a mim e ao líder Chinaglia informações sobre o comentário de Jefferson", relatou o articulador político do governo. Segundo Aldo, em setembro de 2004, a Corregedoria da Câmara abriu investigação a partir de reportagem publicada pelo "Jornal do Brasil", contendo a denúncia da mesada. A informação foi atribuída na ocasião ao ex-ministro das Comunicações e ex-líder do governo Lula na Câmara, deputado Miro Texeira (PT-RJ). A Corregedoria, de acordo com Aldo Rebelo, teria arquivado o caso por falta de elementos. Miro, lembrou o ministro, negou que fosse o autor da denúncia. "O próprio Roberto Jefferson, na condição de deputado, não apresentou também nenhuma informação e nenhum dado que permitisse à própria Corregedoria adotar qualquer procedimento para prosseguir na investigação", disse o ministro. O então corregedor na Câmara, deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE), deixou o inquérito aberto por dois dias. Nenhum deputado se pronunciou sobre as denúncias e, assim, 13 dias depois de aberto o inquérito, Piauhylino decidiu pelo arquivamento da investigação. O então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), enviou ofício à Procuradoria Geral da República mencionando a denúncia de Jefferson. A Procuradoria, por sua vez, teria enviado a denúncia à seção do Ministério Público no Rio de Janeiro. "Essas informações foram passadas ao presidente Lula, que solicitou a mim e ao líder Arlindo Chinaglia que o mantivessem informado de qualquer novidade relacionada com esse comentário de Roberto Jefferson. O episódio seguinte relacionado a essa questão foi a entrevista de Jefferson", assinalou o ministro da Coordenação. Aldo falou à imprensa após reunião convocada pelo presidente Lula para decidir o que fazer em relação às denúncias do presidente do PTB. Durante o encontro, uma ala do governo defendeu que o Palácio do Planalto desmentisse a afirmação de Jefferson, de que teria alertado o presidente sobre a compra de deputados. Outra ala, que acabou prevalecendo, sugeriu que a denúncia de Jefferson fosse confirmada, mas sem admitir os detalhes que ele mencionou na entrevista à "Folha de S.Paulo". "Se o presidente negasse que conhecia a denúncia, ficaria refém do Roberto Jefferson", comentou um assessor do governo. Participaram da reunião no Planalto, além de Lula e Aldo, o vice-presidente José Alencar, cujo partido, PL, foi citado na denúncia de Jefferson, os ministros Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Gushiken (Comunicação do Governo), Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Jacques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), além do secretário de imprensa, André Singer, e do chefe de gabiente do presidente, Gilberto Carvalho. Por estar em viagem oficial a dois países europeus, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, não participou do encontro. Em nota oficial, o ministro Antonio Palocci desmentiu que tenha sido procurado por Roberto Jefferson para tratar do suposto pagamento de mesadas a deputados. Em Washington, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS), também citado por Jefferson, disse que tomou conhecimento da denúncia há um ano. "Ele esteve na minha sala e numa conversa disse que havia um boato de que haveria essa prática de dinheiro para uma fração de deputados que estavam no PL e no PP. Perguntei se ele tinha dados mais objetivos para que eu tomasse alguma atitude, mas ele não tinha", disse Ciro. O Ministério da Justiça adiou o pronunciamento que o ministro Márcio Thomaz Bastos faria em rede nacional de rádio e televisão para defender as ações do governo no combate à corrupção. O adiamento foi decidido na reunião de coordenação. A justificativa oficial é que o pronunciamento do ministro teria que ser atualizado após a publicação da entrevista de Roberto Jefferson. O pronunciamento será reescrito e veiculado até o fim desta semana. Hoje, Thomaz Bastos falará na abertura do 4º Fórum Global de Combate à Corrupção, às 18h. No evento, organizado pela ONU, o presidente Lula deverá ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.(Colaboraram Henrique Gomes Batista e Juliano Basile)