Título: América Latina rejeita controle de democracia
Autor: Tatiana Bautzer De Fort Lauderdale
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2005, Internacional, p. A9

Reunião da OEA Documento final deve diluir proposta feita pelos EUA

Os protestos de diversos governos latino-americanos devem inviabilizar hoje o mecanismo de avaliação da democracia na América Latina, desejado pelos Estados Unidos. Até o fechamento desta edição, o rascunho da declaração final tinha dezenas de colchetes, indicando desacordo entre os países da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Argentina chegou até a sugerir um texto que se mencionasse a necessidade de acabar com subsídios agrícolas nos países ricos para elevar o padrão de vida na região. "É um saco de gatos", afirmou um diplomata que atuava na negociação. A proposta do mecanismo de avaliação da democracia havia recebido até o início da noite emendas da Aladi (países da América do Sul e México), Peru e Caricom (grupo de países caribenhos). Diplomatas previam que um acordo fosse fechado apenas hoje de manhã, horas antes do fim da assembléia-geral da OEA. Os países latino-americanos preferiam um texto bem mais genérico de defesa da democracia, sem referências a mecanismos específicos, e a maior parte das emendas mencionava a necessidade de reduzir a pobreza. O presidente americano, George Bush, em seu discurso na abertura da assembléia-geral da OEA, não mencionou diretamente o mecanismo e evitou comprometer-se com a proposta. Bush adotou um tom mais conciliatório, afirmando que a democracia hoje é a regra e não exceção na América Latina. "Nesta sala, representamos países com tradições e línguas diferentes, mas hoje podemos dizer com orgulho que todos falamos a linguagem comum da liberdade." O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi o mais enfático na rejeição a meios de controle da democracia. "A democracia não pode ser imposta, ela nasce do diálogo", disse em discurso, dirigindo-se à secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, que presidiu a sessão. Ele afirmou que os problemas políticos na região ocorrem principalmente "em função dos graves problemas econômicos e sociais" e que, apesar de defender a não-intervenção, o Brasil também não pretende ficar indiferente em relação a situações de ameaça à democracia. Como se esperava, o chanceler venezuelano, Ali Rodriguez, protestou contra a proposta como uma intervenção "em assuntos internos" do país. Os únicos compromissos bilaterais de Rice foram com o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, e com duas representantes da sociedade civil- entre elas Maria Corina Machado, da ONG Súmate, que apoiou a tentativa de golpe contra o governo de Hugo Chávez, na Venezuela. Amorim voltou a insistir, como faz em todos os fóruns internacionais, na "necessidade de eliminar os subsídios bilionários concedidos a produtores ineficientes de países desenvolvidos". Os países em desenvolvimento, argumentou, necessitam de regras de comércio internacional justas, que garantam acesso de seus produtos aos mercados dos países ricos e não criem constrangimentos insuperáveis à promoção de políticas industriais, tecnológicas e de desenvolvimento social. Depois de fazer algumas objeções pela menção ao assunto num fórum não adequado, o Brasil acabou aprovando uma resolução sugerida pelos Estados Unidos, para manter o apoio técnico da OEA às negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Amorim fez uma referência indireta às dificuldades das negociações, dizendo que "é inegável que a integração se processa de maneira mais suave entre países de nível de desenvolvimento semelhante, e é com esse espírito que o Brasil tem conduzido negociações no âmbito do Mercosul e com outros parceiros da região". O presidente americano veio do Texas para Fort Lauderdale praticamente só para fazer seu discurso na sessão de abertura. Antes de falar, cumprimentou os chanceleres dos países latino-americanos, mas não participou do almoço oferecido pelos EUA. Rice, que sempre cita o Brasil como um exemplo a ser seguido em democracia, em oposição à situação venezuelana, convidou o chanceler brasileiro para sua mesa, da qual também participaram representantes da Argentina, Colômbia, Panamá e Canadá.