Título: Companhia deve perder chance de limpar balanço
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2005, Empresas &, p. B2

A oportunidade mais imediata para limpar o balanço da Varig está no Senado. A não ser que haja uma ingerência direta do Ministério da Defesa ou do Palácio do Planalto - e não existem sinais de que isso vá acontecer -, a empresa corre o risco de desperdiçar numa simples canetada a chance de reduzir em cerca de R$ 1 bilhão o seu patrimônio líquido negativo. O encontro de contas, possibilidade mais cobiçada pela Varig para melhorar o seu balanço, continua a enfrentar resistência no governo - da Fazenda à Casa Civil, passando pela Advocacia-Geral da União (AGU). Alvo de forte lobby, o artigo que permite às companhias aéreas contabilizar instalações aeroportuárias como hangares e terminais da União como seus ativos pode acabar de fora do projeto de criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), praticamente pronto na mesa do senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder do PT no Senado. Apoiado pelas aéreas e por alas do governo, esse artigo tinha como idéia central mudar os padrões de contabilidade financeira das empresas do setor. Em vez de "concessões de espaço comercial", áreas que vão de hangares a balcões de check-in nos aeroportos passariam a ser "arrendadas" pela Infraero às companhias, por um período de 20 anos. A alteração teria um efeito direto na conta das aéreas: ao permitir que essas instalações fossem computadas como ativos próprios, a lei da Anac ajudaria a diminuir o rombo financeiro das empresas. No caso da Varig, o Congresso estima que o benefício poderia atingir R$ 1 bilhão. Até as moribundas Vasp e Transbrasil sairiam ganhando, na medida em que poderiam alugar os seus hangares. Isso explica a peregrinação do advogado Roberto Teixeira, amigo íntimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelos gabinetes de Brasília, em busca de apoio ao artigo. Teixeira fazia parte do conselho de administração da Transbrasil e articula o ressurgimento da companhia, como transportadora de cargas. A Infraero e o Comando da Aeronáutica lideram o movimento contrário à mudança, chamada no jargão do setor como "direito real de uso". A Infraero vê um risco de expropriação de seus ativos. Se as áreas forem arrendadas por 20 anos, a Infraero não terá como retomar hangares e terminais antes de terminado esse prazo, mesmo na eventual falência de uma ou outra companhia. O problema é que, na legislação atual, nem em situações drásticas a estatal consegue reaver essas instalações, dizem os defensores do artigo. Basta ver o exemplo da Transbrasil: apesar de não ter decolado um só vôo nos últimos três anos e meio, ela ainda detém hangares, terminais de cargas, mais de 40 balcões de check-in e mais de 20 áreas administrativas em aeroportos. Segundo a interpretação favorável ao direito real de uso, existem três vantagens na medida: as empresas ganham maior segurança para fazer investimentos em seus hangares e terminais, evita-se um impasse judicial que proíba o uso dessas áreas em caso de paralisação de uma companhia aérea, e os trabalhadores saem beneficiados - ao permitir-se o pagamento do passivo trabalhista com o dinheiro proveniente do aluguel das áreas. A tendência, na semana passada, era de que o artigo sobre o direito real de uso ficasse de fora do texto final do senador Delcídio a respeito da Anac. Apenas uma interferência direta do Palácio do Planalto ou do vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, mudaria o rumo. Até agora, ele não foi procurado sobre isso.