Título: Litígios de trabalho viram crimes
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Trabalhista Alteração no Código Penal provoca tendência de criminalização das disputas

A tendência de criminalização de disputas tipicamente civis começa a migrar agora para a área trabalhista, ainda que por vias indiretas. Aprovada em 2000, a Lei n° 9.983, que alterou o Código Penal, foi criada originalmente para punir sonegadores da Previdência Social. Agora, no entanto, começa a ser usada como uma forma de transformar disputas próprias da Justiça do Trabalho em processos criminais. Advogados vêm trabalhando nos primeiros processos do gênero na Justiça criminal, e na Justiça trabalhista precedentes do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo dão apoio à prática. Duas decisões da quarta turma do TRT da 2ª Região, em São Paulo, confirmam que é obrigação do juiz trabalhista denunciar crimes constatados durante o processo, inclusive aqueles previstos na Lei nº 9.983. Ela introduziu no Código Penal os artigos 297 e 337-A, que trazem uma descrição mais minuciosa a respeito da sonegação previdenciária do que a prevista na legislação anterior sobre sonegação tributária. Com isso, é possível criminalizar condutas como a falta de registro em carteira e o pagamento "por fora" de verbas trabalhistas, ou seja, diferenças observadas entre o valor efetivamente pago ao trabalhador e aquele declarado ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Segundo o advogado Luiz Carlos Torres, sócio da área criminal do Demarest & Almeida Advogados, a nova previsão permite uma abrangência bem maior do que a disputa criminal até hoje comum na área previdenciária - o crime de apropriação indébita. Em tese, as novas previsões do Código Penal permitem criminalizar condutas de relações de trabalho precárias, além das irregularidades na declaração feita ao INSS. No primeiro caso em que se deparou com a aplicação do artigo 337-A do Código Penal, diz Torres, o processo criminal foi aberto antes mesmo de haver uma ação trabalhista. No precedente, uma empresa foi autuada por um fiscal do Ministério do Trabalho que constatou insalubridade por excesso de ruído, exigindo o pagamento de adicional. O caso foi parar no Ministério Público do Trabalho (MPT), que iniciou um processo administrativo de ajustamento de conduta. Levado ao Ministério Público Federal, tornou-se uma ação penal antes mesmo da abertura de inquérito para a apuração do caso. A advogada Vânia Aleixo Pereira já inclui no pedido inicial das ações trabalhistas do escritório a denuncia criminal devido à infração trabalhista como uma forma de pressão adicional contra o empregado. Mas, a rigor, os juízes podem fazer a denúncia independentemente do pedido. "Constatado o ilícito, é dever do juiz denunciar o crime", diz Vânia. Ainda segundo a advogada, os precedentes sobre o tema no Judiciário são poucos, pois a previsão penal só atinge os fatos ocorridos após 2000, o que dá pouco tempo para a tramitação dos processos. Além disso, a legislação é pouco conhecida entre profissionais da área. Segundo Eduardo Reale, sócio do Reale Advogados, do ponto de vista estritamente jurídico não há muito o que se questionar quanto ao artigo 337-A. Mas, para o advogado, a lei repete um problema comum no Brasil, que criminaliza questões tipicamente administrativas, como a área tributária, ambiental e de consumo. Para Reale, isso pode acabar por banalizar a área penal. Reale observa, contudo, uma falha de redação no artigo 337-A, quando trata da extinção da punibilidade. O texto diz que o sonegador tem extinta a punição quando declara e confessa as pendências, mas não fala nada sobre o pagamento. No caso de apropriação indébita, que seria juridicamente um crime menos grave, a extinção depende de pagamento. Segundo o advogado, trata-se de uma aberração jurídica, que só pode ser corrigida com a revisão do texto. Luiz Carlos Torres diz que a nova previsão do Código Penal tem potencial de causar bastante dor de cabeça para os empregadores, mas há também alguns contrapesos que restringem seu uso. Além da porta de saída da extinção da punibilidade, a ação penal só pode ter início depois de configurado o débito - o que depende do fim da fase administrativa no INSS.