Título: O uso das PPPs e a concessão de rodovias
Autor: Rodrigo Maluf Barella
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2005, Legislação & Tributos, p. E2
"Ferramentas não faltam para que se tenha melhores rodovias, resta saber se elas serão usadas da forma adequada"
A lei das parcerias público-privadas (PPPs) - a Lei nº 11.079/04 - definiu parceria público-privada como "o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa", definição esta que foi incluída pelo Legislativo. Já neste ponto o legislador brasileiro contrariou - talvez para facilitar a aplicação - aquilo que vários autores que estudaram o assunto anteriormente apregoavam, ou seja, que o termo parceria público-privada seria um termo "guarda-chuva", que poderia englobar diversas combinações de contratos, variando desde a simples terceirização até a privatização. De acordo com nossa nova legislação, portanto, PPP é uma espécie do gênero concessão e engloba duas modalidades: a patrocinada, que diz respeito àqueles projetos em que, além da tarifa cobrada do usuário, o governo também contribui para a remuneração do parceiro privado; e a administrativa, em que a própria administração pública é a usuária direta ou indireta dos produtos ou serviços - neste caso a administração pode pagar ao parceiro privado sem a necessidade de parte de a receita ser proveniente dos usuários. De forma simplificada, é possível afirmar que possuímos agora uma lei que conseguiu resolver bem os dois principais pontos para a qual foi criada: propiciar um ambiente mais seguro aos investidores de projetos públicos, o que por si só já diminui o risco dos projetos e conseqüentemente os custos para a população; e viabilizar projetos de concessão que não eram economicamente viáveis somente com a cobrança de tarifas dos usuários (como a grande parte das rodovias do país, para citar um exemplo). Embora os desafios principais tenham sido resolvidos, alguns pontos negativos chamam a atenção na leitura da lei, principalmente quando é feita uma análise que venha testar a discricionariedade que ela legou ao Poder Executivo em relação ao uso da criatividade observada em projetos de PPPs bem sucedidos no exterior. Para tornar a análise mais focada, os exemplos usados serão da área de rodovias, sem dúvida umas das áreas onde as PPPs deverão ser intensamente utilizadas. Um dos pontos críticos - e que não existia no projeto original - está no parágrafo 4º do artigo 2º. Este dispositivo limita o uso das PPPs em relação ao valor do contrato e ao prazo de duração. Segundo ele, não se pode estabelecer uma PPP se o projeto tiver valor inferior a R$ 20 milhões ou duração inferior a cinco anos, limites que parecem arbitrários e impensados. Por exemplo, por qual motivo uma prefeitura de uma cidade pequena ficou impedida de estabelecer uma PPP com uma empresa privada visando a manutenção de suas ruas e avenidas?
Um dos pontos críticos está no dispositivo que limita o uso das PPPs em relação ao valor e ao prazo do contrato
Para não deixar de mencionar um caso real de parcerias de valores contratuais pequenos basta ir ao Peru e testemunhar uma experiência citada pelo Banco Mundial de manutenção de estradas rurais realizada por microempresários, antes simples habitantes lindeiros de uma rodovia mal conservada. Quanto ao prazo, já que se está diante de um tipo de contrato que não apresenta normalmente a possibilidade de competição durante a execução do serviço, a única competição que existe é pela outorga do serviço (vide as concessões rodoviárias). Assim, parcerias de curta duração - quando viável técnica e economicamente - tendem a ser melhores para a população do que as parcerias mais longas, pois a etapa competitiva acontecerá mais freqüentemente. Não bastassem as disposições inseridas desnecessariamente e que limitam o potencial da lei para projetos menores, tanto o Executivo quanto o Legislativo perderam uma boa oportunidade de realmente inovar quando deixaram de inserir na lei que um dos critérios de julgamento das propostas poderia ser o de menor valor presente das receitas. Esse tipo de critério, já usado com sucesso em pelo menos uma concessão rodoviária do Chile, pode diluir em projetos rodoviários o risco do tráfego, deixando o prazo de duração da concessão variável até que o parceiro privado realize o valor presente das receitas proposto. Esse modelo, que como não foi previsto não poderá ser usado ainda no Brasil, apresenta também outro benefício muito interessante para os investidores, uma vez que pode facilitar muito o cálculo de uma eventual indenização no caso de encampação pelo poder público, já que a receita do concessionário é certa. Ainda na esfera rodoviária, a lei não deixa claro, quando da elucidação da modalidade administrativa, se é ou não possível a utilização de pedágios-sombra (modelo de concessão rodoviária muito usado na Inglaterra, onde quem paga o pedágio para o parceiro privado é o poder público). Este modelo pode ser muito útil no caso do Rodoanel Mario Covas, em São Paulo, onde a cobrança de pedágios dos usuários não parece ser a melhor solução, pois poderia acabar incentivando o tráfego de caminhões pelas marginais. Por fim, é fácil afirmar que ferramentas não faltam para que o cidadão possa contar com melhores rodovias. Resta saber se elas serão usadas da forma adequada, visando diminuir os custos para os usuários e conseqüentemente aumentar nossa competitividade internacional, ou se serão apenas mais um instrumento para gerar tributos indiretos, como por exemplo optando pelo uso de concessões licitadas pelo maior lance pago ao governo - dinheiro que naturalmente sai do bolso de quem paga a tarifa.