Título: Renda e endividamento determinam fase de acomodação para a economia
Autor: Raquel Landim, Raquel Salgado e Vera Saavedra Durã
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2004, Brasil, p. A-3

A economia brasileira está em uma fase de acomodação do ritmo de crescimento. Três situações explicam esse movimento: a base de comparação já é mais forte (a economia começou a crescer no segundo semestre de 2003), o consumidor está endividado e tem limites para contrair novas dívidas e a renda cresce abaixo do previsto. As vendas do comércio varejista, divulgadas ontem pelo IBGE, indicam desaceleração, o que é "natural", segundo economistas. Cálculos dessazonalizados da Tendências Consultoria Integrada, indicam que as vendas do setor caíram 0,3% em agosto em relação a julho. Na comparação julho/junho, também houve queda de 0,3%. As vendas de papelão ondulado - outro indicador importante do desempenho da economia - também caíram por dois meses seguidos. Conforme a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), as vendas recuaram 1,6% em agosto e 3,2% em setembro, sempre na comparação com o mês imediatamente anterior. Na avaliação de Celso Toledo, economista-chefe da MCM Consultores, trata-se do "fim de um choque de demanda que não iria se sustentar indefinidamente". O economista avalia que a capacidade de endividamento das pessoas está se esgotando e que a inflação, apesar de bem comportada nos últimos meses, acabou corroendo o poder de compra. Segundo Valdemir Coleone, supervisor-geral das Lojas Cem, a desaceleração nas vendas começou na segunda quinzena de agosto e se estendeu por setembro. No mês passado, as vendas da rede, que trabalha com eletroeletrônicos, caíram 20% sobre agosto. Em relação a setembro de 2003, a alta foi de 13% - ritmo menor que os 25% dos meses anteriores. "Setembro é um mês tradicionalmente mais fraco, mas a queda foi muito acentuada", ressalta Coleone. "Diminuiu bastante o poder de compra do brasileiro, que está perdendo a capacidade de endividamento", diz. A Lojas Cem revisou suas projeções para as vendas do Natal. A rede, que esperava vendas até 25% maiores em dezembro ante o mesmo período do ano anterior, agora projeta alta de 15%. Sem capacidade para se endividar, o consumidor pode estar direcionado sua renda para o consumo de bens não-duráveis. De acordo com Fernando Tracanella, diretor de relações com investidores do Pão de Açúcar, as vendas do grupo aumentaram 10,4% em setembro em relação ao mesmo período do ano anterior. "Foi o mês mais forte do ano", diz o executivo, acrescentando que 80% das vendas do grupo são de alimentos. Para Toledo, da MCM, o desaquecimento registrado nos últimos meses não é sinal de recessão. O economista acredita que o ganho de produtividade recente do país - conseqüência da desvalorização cambial de 1999 e da melhora da percepção dos investidores em relação ao Brasil - garantirá crescimento entre 3% e 3,5% para a economia nos próximos anos. As mudanças, porém, não são suficientes para conquistar uma taxa de crescimento anualizada de 6% ao ano como ocorreu no segundo trimestre do ano, ressalta Toledo. "Para isso, seria necessário uma mudança muito mais profunda na estrutura tributária", reforça. Na avaliação de Adriano Pitoli, economista da Tendências, a queda no varejo, na margem, foi um sinal "contundente" de desaceleração econômica. "Isso reduz as chances de um choque de juros do Banco Central", diz. O período de forte recuperação das vendas do varejo já passou, pondera Fábio Romão, da LCA Consultores. Na sua opinião, o movimento de desaceleração ocorre pelo fim da demanda reprimida por bens duráveis, como DVDs, celulares e câmeras digitais. "Esses produtos alcançaram recordes de vendas desde o início do ano. Agora, que comprou um DVD vai demorar um certo tempo para adquirir um novo", argumenta. Ainda assim, a LCA espera um Natal bem superior aos de 2003 e 2002. Já o economista Joham Soza, da Rosenberg & Associados, ainda vê um certo fôlego para o consumo com a recuperação dos salários por conta dos dissídios do segundo semestre e pela entrada do 13º salário. "Neste ano, com mais pessoas empregadas e aumento considerável do emprego formal, poderemos contar com mais dinheiro vindo do 13º". Para os economistas do Bradesco, a tendência é de que nos próximos meses os setores de bens semi e não-duráveis passem a sentir os efeitos da recuperação da renda. "Porém, não irão crescer na mesma intensidade dos duráveis", complementam. A trajetória de alta da Selic, iniciada em setembro pelo Banco Central, atuou fortemente sobre as expectativas do varejo, contribuindo para um ambiente de incertezas que leva à cautela na relação com a industria, afetando as encomendas de Natal, segundo avaliação do economista Fernando Montero, da Convenção S/A. Ele acredita que a desaceleração do comércio mostrada pelo IBGE, em agosto, poderá se repetir em setembro, como revelam suas sondagens junto ao comércio varejista.