Título: Os limites que amarram o governo
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Opinião, p. A13

Mais uma vez, fica o governo pendurado no Banco Central. Goste-se ou não dos juros altos, não há agora, infelizmente, muito mais a fazer no campo da política econômica até meados de 2006, quando os candidatos à presidência de República estarão nas ruas, já em plena campanha eleitoral. À política monetária caberá, mais uma vez, a missão de carregar nas costas a responsabilidade pela estabilidade da economia do país. Na seara política, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de sair da defensiva pode ajudar a reverter o clima de desconfiança que se instalou, em um crescendo, desde que surgiram as primeiras denúncias de malversação do dinheiro público envolvendo os Correios, o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) e, mais recentemente, a história do "mensalão". Também contribui para arrefecer os ânimos da oposição a postura de alguns caciques do PSDB no sentido de tentar dissociar os problemas enfrentados pelo governo com a crise que redundou no "impeachment" do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em dezembro de 1992. Quando nomes de políticos conhecidos, ligados direta ou indiretamente ao governo Collor, passam a tomar conta das manchetes do noticiário, desta vez travestidos com roupa de denunciantes e não de acusados, o mínimo que se deve ter é extremo bom senso para saber diferenciar o joio do trigo. A ninguém interessa que a chamada "crise" atual se acentue com o risco de, no limite, colocar em questão a governabilidade do presidente Lula. Mais do que nunca, a postura do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, será crucial para que se possa transpor sem maiores traumas esse longo período de dezesseis meses que nos separam do primeiro turno das eleições. Desse modo, torna-se fundamental que o ministro explique em maiores detalhes como fará para ampliar os gastos com investimento. A idéia faz sentido e tem sido ultimamente defendida por economistas de várias tendências, como forma de ativar uma importante alavanca do crescimento econômico. A questão está em saber da onde sairão os recursos que vão sustentar a retomada do investimento público. Se houver corte nos gastos correntes na mesma proporção, menos mal. Mas se a intenção for manter o extraordinário volume de despesas com pessoal e, ainda, por cima, somar a isso dispêndios com investimento, bem, aí o cenário pode se complicar. O problema é o de sempre: o cobertor é curto, não dá para cobrir os pés sem deixar a cabeça de fora. Não deve passar despercebida a enorme quantidade de concursos públicos, na esfera do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, que se espalha por Brasília nos dois últimos anos. Ou seja, arma-se uma bomba relógio para os futuros governos, que terão de conviver com uma imensa massa de funcionários ocupando o espaço dos gastos que poderiam ir para segmentos mais nobres, como a saúde e a educação, além dos investimentos em infra-estrutura.

À política monetária caberá, mais uma vez, a missão de carregar nas costas a responsabilidade de manter estável a economia do país

A perspectiva de reduzir o superávit fiscal primário para encaixar, ali, os gastos com investimento, é tentadora. Tudo bem, desde que os juros da dívida pública mobiliária caiam. Como se sabe, o superávit primário é produzido para cobrir os gastos com os encargos da dívida. A meta do superávit primário está por enquanto mantida em 4,25% do PIB na ponta de final de 2005. No entanto, para reduzir os juros o governo deverá estar disposto a enfrentar uma eventual queda no fluxo dos dólares de curto prazo que entram no país em busca, justamente, dos ganhos pelo diferencial dos juros internos - taxa em torno de 13% em termos reais - e a taxa de juros internacional. Alguém dirá que o governo tem condições de se financiar com saldos comerciais elevados e isso parece, por enquanto, verdade na medida em que a valorização do real face do dólar não tem afetado o resultado com a receita de exportações. Mas esse é um caminho um tanto incerto, na medida em que depende de dois fatores: da tendência da taxa de câmbio nos meses à frente e do ritmo de expansão da atividade econômica externa. Hoje, pode-se dizer, o mundo continua crescendo, mas não se sabe o que poderá acontecer na Europa, só para ficar limitado a um dos principais mercados para produtos brasileiros. A alternativa recorrente do aumento da arrecadação como forma de "esticar" o cobertor sobre as despesas tem hoje menos possibilidades de sucesso do que tinha até o segundo semestre do ano passado. Está claro que a sociedade brasileira se cansou de alimentar os cofres do governo. Pior, para cobrir gastos correntes que em nada agregam ao país em termos de melhoria do conhecimento, de melhoria nas condições sanitárias, de melhoria de estradas, portos, enfim. É assustador o dado divulgado no início do mês pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), segundo o qual a carga tributária do país total - considerando União, Estados e municípios - alcançou o equivalente a 41,6% do PIB no acumulado do primeiro trimestre deste ano. Em 2000, a carga tributária no mesmo período representara 36,7% do PIB. Para complicar um pouco mais a situação fiscal brasileira, a relação dívida líquida do setor público mantém-se elevada, em torno de 51% do PIB. Esse é, como se sabe, um dos principais indicadores para a definição do prêmio de risco do país. Enquanto continuar assim, elevado, não dá para refrescar muito o nível do superávit primário. Aquele é um aspecto crucial. Para se ter uma idéia do tamanho da dívida líquida do setor público brasileira em razão do PIB, basta ter em mente que essa mesma relação não passa de 20% do PIB no caso do México e está em torno de 7% do PIB no caso do Chile. Portanto, para onde se olha, tem-se cada vez mais a sensação de que o governo não tem margem de manobra em termos econômicos. O que o presidente Lula precisa fazer agora é manter sob controle o lado político de seu governo e continuar confiando na credibilidade do Banco Central. É mais do mesmo, sendo que não há agora válvulas de escape. Tudo tem um custo e este é o preço a pagar pela inexistência de uma política econômica bem amarrada.