Título: Fundamentos blindam economia, avalia governo
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Brasil, p. A3

A forma mais eficaz de proteger a economia das turbulências políticas, agora, é preservando com unhas e dentes os fundamentos fiscal, monetário e cambial. Essa é a receita que a equipe econômica vem prescrevendo ao presidente Lula e foi nesse sentido que ele deixou claro, no discurso que fez na noite de terça-feira, durante seminário internacional sobre corrupção, que não tomará qualquer "medida populista só porque estamos a um ano e meio das eleições". Na avaliação de um graduado economista do governo, se até agora o mercado financeiro reagiu com moderação à crise política foi porque "estamos com os fundamentos sólidos e esse negócio não vai desandar". O superávit primário acumulado este ano, até abril, é robusto: 7,26% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 12 meses encerrados em abril, é de 5,03% do PIB, para uma meta de 4,25% do PIB. Portanto, há margem para realizar alguns investimentos públicos em infra-estrutura e atender um leque de emendas parlamentares sem comprometer a meta, embora a tendência, no governo, seja de ir um pouco além da meta. O superávit em conta corrente do balanço de pagamentos também é sólido, argumentam as fontes, mesmo com a taxa de câmbio tendo tido apreciações sucessivas nos últimos meses. O saldo até abril é de 2,21% do PIB e a persistência de bons indicadores na área externa resulta de uma profunda mudança estrutural realizada na economia após três desvalorizações cambiais substanciais: 1999, 2001 e 2002. Houve uma migração dos investimentos dos bens não comercializáveis para os comercializáveis e isso não se altera a despeito de uma taxa de câmbio pior nem por um ambiente de crise política, assinala o graduado economista do governo. Os investimentos estrangeiros diretos continuam surpreendendo e têm sido um dos fatores importantes na sustentação de um nível de atividade positivo. Acumulado em 12 meses até abril, os investimentos diretos somaram US$ 21,59 bilhões em comparação com 12 meses até abril de 2004, quando eram de R$ 10,47 bilhões. A comparação do comportamento do mercado financeiro nesta semana, após as denúncias de compra de votos pelo PT, feitas pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, com a da semana que se seguiu ao caso Waldomiro Diniz, mostra uma piora mais acentuada, desta vez, no mercado acionário, mas indica, também, que em ambos os casos, a reação de mau humor dos mercados tem sido comedida. Em fevereiro de 2004, quando estourou a crise Waldomiro, a Bovespa teve desvalorização de 0,76% entre a sexta-feira, dia 13, e a quarta-feira da semana seguinte à publicação da reportagem na revista "Época". Agora, na mesma comparação, a desvalorização foi de 6,31%. O risco país, que no caso anterior, subiu 47 pontos base, agora teve aumento de 25 pontos. A taxa de câmbio, que na semana da crise do ano passado teve desvalorização de 1,13%, agora acumula desvalorização de 1,44%. A postura do governo Lula será crucial para determinar os efeitos da crise nos mercados. Se o governo Lula permanecer colado aos fundamentos econômicos e conseguir com que os ruídos políticos se confinem no Congresso, a crise não será suficiente para produzir uma deterioração significativa no cenário econômico, argumenta uma qualificada fonte da área econômica. Dessa forma, será possível manter um ambiente onde os investimentos, prejudicados pelas taxas de juros no primeiro e segundo trimestres do ano, voltem a partir do segundo semestre, em resposta ao cenário que a equipe de governo delineia para a política monetária: o Comitê de Política Monetária (Copom), já com os dados de inflação sob controle, interromperia o processo de aumento dos juros na semana que vem e, por volta de agosto/setembro, começaria a reduzir a taxa Selic. As empresas estão capitalizadas e só precisam de confiança no crescimento futuro da economia para tocar novos investimentos. Com redução dos juros, retomada da taxa de investimento, crédito e renda - com o aumento do salário mínimo que só no mês passado começou a mexer no consumo - ainda é possível chegar a um crescimento de 3% a 3,5% este ano, avaliam economistas do governo. Segundo eles, os indicadores antecedentes como consumo de energia elétrica e arrecadação tributária têm mostrado recuperação nas últimas semanas e isso pode significar que o segundo trimestre do ano cresceu mais do que os míseros 0,3% do primeiro trimestre. Sazonalmente, a economia é mais vigorosa no segundo semestre. A aposta do governo, portanto, é de que o jogo do crescimento para este ano ainda não está perdido. Não no patamar dos 3% a 3,5%. Os economistas oficiais discordam das expectativas de que o PIB este ano terá variação de apenas 2,5% ou 2,8%. Isso, é claro, se a crise política não contaminar a economia e se o calendário de distensão da política monetária se confirmar.