Título: "O estrago já está feito", avalia cientista político
Autor: Cristiano Romero, Maria Lúcia Delgado e Rosângela
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Política, p. A8

As denúncias do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), de que o PT pagava uma mesada a deputados em troca de apoio, afetam a sucessão presidencial, avalia o professor e cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj). "O estrago já está feito. O envolvimento de pessoas do PT num escândalo dessa magnitude já mancha a história de um partido apoiado nos pilares da ética na política e no comportamento", diz. Ele lembra que o PT passou por duas CPIs, a envolvendo Fernando Collor, a dos anões do Orçamento e nenhum de seus membros foi envolvido em todos os planos, nacional, regional e local. "Mas após o caso Waldomiro (Diniz) e a questão dos Correios , agora o partido está desgastado", disse. O cenário avaliado pelo cientista político leva em conta o ambiente ainda de denúncia, sem provas, mas caso elas venham aparecer ele diz que não sabe onde tudo vai parar. Nesse caso, a reeleição de Lula realmente ficaria ameaçada, havendo uma disputa "dura", como ninguém imaginou que fosse acontecer, uma vez que até agora a expectativa vinha sendo a de que o presidente venceria já no primeiro turno o pleito pela reeleição em 2006. Para o professor, o que preocupa é que o deputado Roberto Jefferson é um político experiente e advogado criminalista: "Pode ser até que ele esteja imaginando um jogo para frente, mas não é um político amador que simplesmente falou demais. Ele é do ramo e sabe que cada uma dessas acusações podem ter conseqüências devastadoras sobre a vida e a carreira dele", avalia. Para Jairo Nicolau, a oposição está cautelosa. Mostra que não pretende colocar o governo em risco ou abalar a credibilidade do Congresso Nacional: "Acho que o PSDB percebeu o potencial devastador que essa acusação poderia produzir sobre o governo. Como a fase é de muita especulação e suspeição, de repente sentiu que talvez fosse o caso de segurar um pouco principalmente porque o governo ficou muito perdido no começo. Por isso mesmo, pisou no freio", observa. E lembra que, após a crise deflagrada com as declarações de Roberto Jefferson, o PSDB mudou completamente o tom. "Todo mundo ficou pisando em ovos", diz. Presume que os próximos dias não deve acontecer nada especial. "Se não houver denúncia mais efetiva, a ênfase vai ser na CPI. O governo vai buscar uma ação mais ativa para não perder espaço para oposição. Mas diz que a gravidade do momento exige uma ação mais efetiva do presidente Lula, como reforma no ministério, a escolha de um novo coordenador político, como, também, o envio de pacotes de medidas anticorrupção para o Congresso Nacional. "Os brasileiros estão esperando que Lula faça mais do que ele já fez. A reação foi tímida e demorou. É preciso que o presidente entre em cadeia nacional de televisão para dar resposta à população. Mostre capacidade de reação e iniciativa política, volte à maneira do velho PT. Parta para uma atitude mais agressiva que poderia repercutir positivamente para o governo", diz o professor. "Falta ao PT um PFL que durante sete anos do governo Fernando Henrique (Cardoso) e deu apoio incondicional. O PT não conseguiu achar o seu PFL, um partido diferente mas que lhe desse apoio razoável. O PMDB poderia ter sido o PFL do PT. Mas o governo não ofereceu o que ele queria. Houve umas chantagens, Lula endureceu e o PMDB demorou um ano a voltar a apoiar o governo", resume. Ele diz que a saída acabou sendo a de ir buscar alianças no PL e PTB que são "partidos amorfos, sem o mínimo de organicidade, não controlam um governo estadual sequer, não são vocacionados para o poder no país", frisa. Avalia, entretanto, que no primeiro ano, o governo Lula foi muito bem sucedido com relação ao apoio legislativo. "Aprovou agendas que muito pouca gente acreditava, como a reforma da previdência, tributária, temas que o próprio Fernando Henrique Cardoso não conseguiu", lembra. Mas no segundo ano, com a crise envolvendo Waldomiro Diniz, o governo Lula perdeu seu maior articulador político, o ministro José Dirceu, que fazia o papel de ligação entre o Executivo e o Legislativo. "A partir dali o governo foi perdendo capacidade de articulação. Já ficou confuso o processo de eleição do presidente da Câmara dos Deputados. O mais acertado seria a reeleição de João Paulo, mas foi lançado o nome de (Luiz Eduardo) Greenhalgh. Depois disso veio a dificuldade de montagem de um novo ministério. Havia nomes praticamente empossados, fazendo já festas de posse e o presidente acabou não fazendo a reforma. Depois, veio o Severino (Cavalcanti) e a coisa de lá para cá desandou mesmo. O governo perdeu o controle da atividade legislativa. E acho também que não tem muito interesse de retomar, pois os temas da ordem do dia não são mais tão fundamentais para serem retomados", analisa.