Título: Lula é pressionado a mudar ministério
Autor: Cristiano Romero, Maria Lúcia Delgado e Rosângela
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Política, p. A8

Crise Proposta seria reduzir equipe, sacrificar petistas e mudar de lugar peças-chave no governo como Palocci e Dirceu

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi insistentemente aconselhado, nos últimos dois dias, tanto por colegas de partido, quanto por amigos do governo e ministros, a promover mudanças profundas no Ministério, a estabelecer um diálogo com a oposição, a tomar com vigor o controle da situação e a permitir ampla e inquestionável apuração das denúncias de corrupção no governo. Foi sugerido ainda ao presidente, que tem se mostrado "perdido" e "indeciso", na visão de alguns de seus interlocutores, que recomponha a base congressual de apoio ao governo e proponha uma agenda para o parlamento. As transformações deveriam incluir a organização e estrutura do governo, inclusive com enxugamento do Ministério, e até, se se julgar conveniente no momento, a realização de mudanças radicais, como as transferência do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para a Casa Civil, de onde coordenaria as ações de governo e as relações com o Congresso, e do ministro José Dirceu para a Saúde, onde repetiria a carreira do tucano José Serra. No contexto das mudanças, Lula demitiria petistas a quem reserva lugar no coração. "O Lula deveria aproveitar o momento para fazer uma cirurgia governamental", diz um parlamentar muito próximo do presidente. "Ele tem que fazer a reforma. A crise bateu no limite. Ele vai ter que cortar na carne", comenta um interlocutor. A falta de resposta do presidente a essas sugestões e ponderações feitas a ele em caráter de urgência preocupa os que as fizeram. Eles temem que a economia, até agora dando uma resposta comedida à crise política, passe por um sofrimento mais significativo. Preocupam-se com a possibilidade de já ter ficado distante a promessa de Palocci ao PT, em conversa recente, de que até dezembro a taxa básica de juros, hoje em 19,75% ano, caia para algo entre 12% e 14%. "No segundo semestre, é só gol", teria dito o ministro da Fazenda ao justificar os sacrifícios que o governo ainda fará até julho, com restrições a gastos e alta de juros. Nesse cenário de "céu de brigadeiro", explicou Palocci, o governo voltaria a investir pesadamente em infra-estrutura e a economia tornaria a crescer de forma acelerada, como aconteceu em 2004, quando o PIB expandiu 4,9%. A preocupação neste momento é que todo o sacrifício feito nos últimos dois anos e meio para estabilizar a economia seja desperdiçado pela crise política. Por essa razão, os interlocutores mais próximos do presidente têm sugerido uma reação mais forte da parte dele, com a retomada da iniciativa. "Esta situação que está aí só compromete o cenário positivo que estávamos preparando para a economia", adverte um petista influente. A avaliação corrente em Brasília é a de que as CPIs, tanto dos Correios quanto a do Mensalão, são "saltos no escuro". Mesmo com os petistas acreditando na inocência de seu tesoureiro, Delúbio Soares, é imprevisível o que poderá sair das investigações. Sem uma reforma ministerial e a repactuação de sua base política, imagina o grupo de ministros e petistas defensores de mudanças no Ministério, a situação se torna ainda mais perigosa tanto do ponto de vista da estabilidade política quanto da econômica. "Com a casa desarrumada, o salto no escuro fica ainda mais arriscado", avalia um político próximo ao presidente. Na reforma sugerida ao presidente Lula, Palocci assumiria, no comando da Casa Civil, a coordenação política do governo. A dificuldade seria convencer o atual chefe da Casa Civil, José Dirceu, a mudar de posto. Para quem já foi o segundo na hierarquia da República, mas que, desde o caso Waldomiro Diniz, vinha perdendo espaço, a mudança pode ser encarada como um castigo. A Fazenda, por sua vez, ficaria a cargo do secretário-executivo, Murilo Portugal, que continuaria respondendo a Palocci. Aldo Rebelo, atual ministro dessa área, seria aproveitado em outra Pasta. "Se o Aldo deixar a articulação política, ele ficará no governo, mas em outra área", sustenta um amigo do presidente, aconselhando o PT a parar de pedir a demissão de Aldo porque não a conseguirá. Desde o início do governo, Palocci exerce enorme influência sobre o presidente Lula. Ele costuma gastar metade de seu dia em reuniões no Palácio do Planalto, onde aconselha o presidente sobre assuntos que vão além de sua competência. Palocci, nesses pouco mais de dois anos de governo, também fez dezenas de reuniões com parlamentares, mas para negociar assuntos que lhe dizem respeito mais diretamente, como a reforma tributária. Na recente crise, porém, Palocci adquiriu mais influência política. Agora, passa o dia inteiro no Palácio, dedicado inteiramente à administração da crise política. Embora não tenha assumido mesmo que informalmente o cargo que hoje é de Aldo Rebelo, o ministro da Fazenda, segundo revelou um assessor da presidência, está "fazendo política" em tempo integral. O novo desenho do governo passaria pela reformulação da base de apoio ao governo no Congresso e, se possível, pelo estabelecimento de um diálogo amplo com a oposição. A avaliação no Palácio do Planalto é que a oposição, principalmente o PSDB, reagiu de forma responsável ao agravamento da crise política e que, portanto, há espaço para investir numa interlocução que assegure uma transição política tranqüila em 2006. Novamente, a preocupação aqui é com a estabilidade econômica. Nesse ponto, há divergências entre petistas, ministros e aliados do presidente Lula. Para alguns, depois dos últimos escândalos, Lula já não teria mais condições de se reeleger em 2006. Portanto, o governo deveria trabalhar para concluir o mandato sem turbulência, num cenário de normalidade política e econômica. Um outro grupo pensa diferente. Acha que Lula não abrirá mão de se candidatar à reeleição e que, mesmo com a crise, as chances de vitória estão mantidas. O que o presidente tenderá a fazer em 2006 é ampliar as alianças político-eleitorais e diminuir o tamanho do PT na sua base de apoio. Nos últimos dias, vem se tornando quase um consenso a idéia de que é preciso reduzir o tamanho do PT também no governo e redividir o poder, estabelecendo-se uma nova correlação de forças na base de sustentação ao governo. Os aliados reclamam que, mesmo tendo recebido apenas 17% dos votos nas últimas eleições, o PT permanece dominando 80% dos cargos federais. Por fim, o grupo que defende mudanças profundas no governo Lula propõe que o Palácio do Planalto apresente uma agenda de projetos ao Congresso. "Nós só votamos três reformas (previdenciária, tributária e do Poder Judiciário) no início do governo e, mesmo assim, elas estão incompletas", reclama um deputado petista. Um dos itens indispensáveis da nova agenda, defende ele, é a reforma política. Ontem, Palocci teria uma reunião com o presidente do Senado, Renan Calheiros, na residência oficial do parlamentar, para discutir a unificação das agendas de trabalho que divulgaram semana passada.