Título: Brasil elabora plano para escassez de gás boliviano
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Internacional, p. A11

Crise na Bolívia Governo já teme uma interrupção no fornecimento

O governo brasileiro admitiu ontem que a grave situação na Bolívia pode levar a uma interrupção do fornecimento de gás natural para o Brasil nos próximos dias, ao anunciar que começou a elaborar um plano de contingência. É a primeira vez que o Ministério de Minas e Energia (MME) admite preocupação com o suprimento de gás. A medida se seguiu ao acirramento da crise na Bolívia, onde manifestantes ocuparam parte da infra-estrutura de dutos da Transredes, na região de Patujusal, estações de rebombeio de gás, e as estações de Sayari e Sica Sica do oleoduto Cochabamba-Arica (Chile). Também foram invadidos sete campos de gás na região norte do país, operados pela petroleiras Chaco (associação da inglesa BP e fundos de pensão bolivianos) e Andina (controlada pela Repsol também com fundos). Na segunda, houve ameaças de que os próximos alvos seriam os campos de San Alberto (operado pela Petrobras em associação com Repsol e Total) e Margarita (da BG), os maiores daquele país. Com o bloqueio das estradas e o engargalamento da rede de distribuição de combustíveis, há hoje uma grande sobra de gasolina e GLP na Bolívia. Como esses produtos não estão sendo distribuídos, devido aos bloqueios a grandes cidades como La Paz, a falta de espaço para armazenamento de combustíveis líquidos pode levar à paralisação da produção de gás, que na Bolívia é associado ao chamado condensado ou gasolina natural. A Petrobras, maior investidora e produtora de gás da Bolívia, informou ontem que não há risco de faltar gás no Brasil neste fim de semana, como se comentava ontem no mercado. Em nota divulgada no início da noite, o MME informou que está acompanhando junto com a Petrobras a evolução da crise e elaborando "um plano de contingência para o abastecimento prioritário do gás natural caso a situação da Bolívia leve à interrupção do fornecimento do produto". O Brasil, maior cliente da Bolívia, compra 24 milhões de metros cúbicos de gás por dia, em contrato válido até 2019. O negócio traz receita de US$ 1,65 milhão por dia à Bolívia, ou de US$ 611 milhões por ano, o equivalente a 7% do PIB do país, segundo o Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). O plano de contingência está sendo discutido pelo governo com os produtores de gás - Petrobras e Repsol são os principais - e distribuidoras. Não foram dados detalhes das possíveis medidas, mas o Valor apurou que caso os cortes de fornecimento sejam necessários, os primeiros serão feitos nas refinarias da Petrobras que são bicombustível e podem usar óleo. Em seguida, virão as usinas termelétricas e a frota de automóveis que usa gás natural veicular (GNV). Só com a troca de combustível nas refinarias, a estimativa é de economia de 5 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. A suspensão da venda de GNV economizaria 4 milhões de metros cúbicos/dia. A paulista Comgás, maior distribuidora do Brasil e que recebe 75% do seu suprimento da Bolívia, não deu detalhes ontem sobre o seu plano de contingências. "Se ocorrer descontinuidade ou redução do gás entregue pela Bolívia ao Brasil, confiamos que será uma questão conjuntural e momentânea, não devendo afetar a continuidade ou segurança de suprimento de médio e longo prazos", disse a Comgás ao Valor. Os diplomatas chefiados pelo ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, e o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, têm mantido contato constante com representantes das forças políticas no país vizinho, a quem têm pedido atenção para as boas relações entre os dois países, que poderiam ser prejudicadas por alguma ação contra a Petrobras na Bolívia. Amorim antecipou em algumas horas, na terça, sua volta ao Brasil, da República Dominicana. Garcia promoveu várias reuniões com assessores e teve pelo menos uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a crise na Bolívia. (Colaborou Sérgio Léo, de Brasília)