Título: Ao sair da defensiva, Lula recusou papel de refém
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Opinião, p. A12

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu a paralisia e anunciou ontem a demissão da diretoria dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Estaria inclinado a, em futuro próximo, fazer uma ampla reforma ministerial - e com ela, possivelmente, retirar de seu gabinete o ministro da Previdência, Romero Jucá, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que respondem a processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Passou, ainda, a apoiar publicamente a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apoiar as investigações, liberando com isso o seu partido, o PT. A medida já tomada, e a prometida para um futuro próximo, são uma resposta tardia a uma crise que se instalou na vida política do país e tomou ritmo próprio há 24 dias, quando vieram à tona denúncias de corrupção envolvendo o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e seus apadrinhados nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). O imobilismo em relação a elas, as constantes declarações de apoio ao denunciado e o esforço feito para barrar investigações pelo Congresso transmitiram à opinião pública a imagem de um presidente acuado, refém de aliados de fraca reputação e de alguém que teme. Ao tomar decisões e prometer "cortar na carne", se preciso, para apurar a fundo as acusações, o presidente Lula saiu da defensiva. Terá assim melhores condições de enfrentar a denúncia que atinge mais diretamente o seu governo e o seu partido, a de um suposto "mensalão" pago pelo PT a deputados do PP e do PL. Essas atitudes são um alento para os cidadãos que, estupefatos, assistiram nas últimas três semanas a um desfilar de histórias inacreditáveis, acusações mútuas e chantagens públicas e encheram-se de dúvidas em relação à capacidade do país de superar a sua pesada história de corrupção e clientelismo. Jefferson, o "homem-bomba", ao devolver a granada para as mãos do governo denunciando o suposto "mensalão", parece ter acordado o presidente e o próprio PT. Tardiamente, ambos decidiram apoiar uma comissão parlamentar de inquérito para investigar o escândalo dos Correios e, se necessário, uma outra para apurar o "mensalão". Se serão duas ou uma, para os mortais que não têm mandato parlamentar e apenas assistirão ao espetáculo é irrelevante. O importante é que o Congresso investigará denúncias que podem não apenas atingir o Executivo, mas certamente chegarão a seus aliados. Mais importante ainda é que o governo deixou de ser um obstáculo às apurações, passou a apoiá-las e deixou de passar a imagem de que tem algo a esconder. O presidente Lula, no entanto, deveria ter restringido as ações que considera necessárias para enfrentar essa crise política ao âmbito estritamente político. A economia amarga uma desaceleração devido a sucessivos aumentos dos juros básicos e a uma política fiscal extremamente apertada, mas soa oportunista que somente agora, em meio à maior crise de seu governo, fale em retomar investimentos públicos. Da mesma forma, um país que se ressente de uma pesadíssima carga tributária apenas conquistou o direito à ampliação do chamado "pacote do bem" porque os acontecimentos na área política passaram a minar as chances de reeleição de Lula nas eleições do próximo ano. O "choque ético" do governo e as medidas de correção de rumo de uma economia em queda devem ser tratados em suas devidas áreas de competência. Não se pode fazer política econômica para responder a uma crise política. Corre-se o risco de medidas que seriam efetivamente necessárias para a mudança de rota da economia tenderem ao populismo. A blindagem da economia, para que ela não se contamine pela sucessão de escândalos que tomaram os espaços dos jornais e as atenções dos brasileiros nos últimos dias, dispensa esse tipo de confusão. Na mão contrária, PT e governo devem deixar de se tratar como se fossem coisas diferentes. Os dois estão no mesmo barco, pelo menos no que diz respeito ao "mensalão". Jogar a culpa ora para um, ora para outro, é quase uma esquizofrenia: o PT ganhou as eleições e ocupa o Palácio do Planalto pelo voto direto. Por serem indissociáveis, talvez fosse mais proveitoso ao "choque ético" o afastamento do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, até que os fatos sejam esclarecidos. Isso não é presunção de culpa, como alega a direção do partido, mas uma garantia aos seus eleitores de que os fatos serão apurados sem qualquer tipo de interferência.