Título: Werlang defende redução do juro e mudanças no sistema de metas
Autor: Pedro Kutney
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2005, Finanças, p. C2

A persistência do castigo do juro alto (o maior do mundo) para combater uma inflação que custa a ceder colocou na linha de tiro o próprio sistema que faz esse círculo vicioso girar: o regime de perseguição de metas de inflação, por meio do uso da taxa básica de juro (Selic). Hoje, até mesmo o criador do modelo aplicado no Brasil desde 1999, o economista Sérgio Werlang, não está feliz com os resultados que vê no momento. Para Werlang, o regime de metas é adequado para o Brasil, mas está sendo administrado de maneira equivocada, precisa ser flexibilizado e aperfeiçoado. Atualmente no Banco Itaú, onde desde 2002 é diretor executivo de crédito e consultoria econômica, Werlang é taxativo em afirmar que o sistema de metas pode sim funcionar com uma taxa de juro menor do que a atual - que já subiu nove vezes desde setembro até chegar a 19,75% ao ano em maio. Para reduzir a taxa, segundo o economista, bastaria o Banco Central "perder a vergonha" de usar a banda de tolerância de 2,5 pontos percentuais da meta, que foi pensada para absorver choques de preços e permitiria diminuir a Selic, aceitando uma inflação de até 7% em 2005. "Nós sofremos mais choques de preços do que outros países, por isso temos de ter bandas maiores para absorver esses movimentos", defende - acrescentando que, para o ano que vem, o governo deveria manter a meta de IPCA de 4,5%, mas sem diminuir a banda de tolerância de 2,5 para 2 pontos percentuais, como está previsto. Werlang estima que os preços administrados (especialmente tarifas de energia e telefonia), sobre os quais o juro não faz efeito, devem subir 7,65% este ano, o que remete a previsão de IPCA para algo em torno de 6% a 6,5% e transforma em pó a meta de 5,1% que o BC persegue como miragem no deserto. Por isso, Werlang vê hoje no BC um conservadorismo excessivo e inútil, já que não adianta forçar a mão no juro, pois não trará a inflação ao centro da meta. Tendo essa realidade em vista, o economista receita o expurgo dos preços administrados do índice de inflação perseguido pelo BC, já que não é possível controlá-los por meio de ajustes no juro básico. Mas a questão não é só essa, já que Werlang também vê problemas no modelo de previsões usado pelo BC. "No começo do ano eu já via evidências de desaceleração do crescimento do PIB para 0,2% no primeiro trimestre. Foi de 0,3%. Então não precisava continuar com o aperto", argumenta Werlang. "A política monetária demora pelo menos três meses para começar a fazer efeito. No caso, o PIB do primeiro trimestre respondeu ao juro praticado em novembro", avalia. "E como o Copom continuou aumentando o juro, já está dado que isso compromete o crescimento do segundo trimestre também", tudo porque o BC insiste em buscar o centro da meta de inflação de 5,1% este ano. Com base em suas previsões, Werlang diz que já teria votado contra a elevação da taxa Selic há pelo menos três meses se ainda fizesse parte do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central - como era em 1999, quando ocupava a diretoria de política econômica e cuidou, a pedido do então presidente do BC, Armínio Fraga, da criação do sistema de metas de inflação no país. Para entender a incoerência de se elevar juros para atingir uma meta inalcançável, Werlang sustenta que o BC deveria divulgar os modelos que está usando para calcular a dosagem de sua política monetária, assim todos poderiam avaliar melhor as decisões do Copom, já que "desde setembro as atas ficaram mais obscuras", não revelam com clareza as razões do BC. Como exemplo disso, Werlang lembra da reunião de setembro, quando a Selic começou a ser puxada para cima. Naquela ocasião, dos oito membros do Copom (todos diretores do BC), três votaram contra elevar a taxa em 0,25 ponto percentual, para 16,25%. Um mês depois, sem que nenhuma condição tivesse mudado substancialmente, os mesmos oito votantes decidiram por unanimidade aumentar em mais 0,5 ponto o juro, deixando confusos até os analistas mais atentos. "Esse problema deve estar na incerteza que os modelos do BC têm", opina Werlang, que justamente por isso defende a publicação desses modelos, para que eles possam ser debatidos e justificados. Na mesma linha de aumentar a transparência das decisões do Copom, Werlang apóia o voto aberto dos membros, para que todos saibam como cada um votou. Para ele, isso só aumentaria a credibilidade do BC. Para melhorar a eficácia do sistema de metas e a transparência de sua aplicação, Werlang também recomenda o arejamento do Copom, que para ele deveria ser ampliado e receber membros técnicos externos, de fora do BC, como acadêmicos ou aposentados que trabalharam no mercado financeiro.