Título: Retratação atribui nota sobre Herzog à falta de "discussão interna" no Exército
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2004, Política, p. A-6

O comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, retratou-se ontem do episódio em que o Exército acusou de "revanchismo" a publicação de novas informações sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Este foi o desfecho de uma crise iniciada no domingo, quando, em reação a material publicado pelo jornal "Correio Braziliense", o Centro de Comunicação Social do Exército divulgou nota exaltando o golpe militar de 64 e justificando as ações das Forças Armadas no combate, nos anos 60 e 70, ao que chamou de "Movimento Comunista Internacional". Na nota divulgada ontem, o Exército lamentou, pela primeira vez, a morte de Herzog. Afirmou ainda que, "para o bem da democracia", não quer reavivar fatos do passado e disse que tem "convicção" na democracia. Ao mesmo tempo em que criticou a publicação das fotografias de Herzog nu, na cela de uma cadeia, o Comando do Exército reconheceu que a reação foi equivocada. "Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado não foi apropriada, e que somente a ausência de uma discussão interna mais profunda sobre o tema pôde fazer com que uma nota do Centro de Comunicação Social do Exército, não condizente com o momento histórico atual, fosse publicada", disse o general Albuquerque. Na nota publicada no domingo, o Exército afirmou que as medidas tomadas pelas Forças Legais durante a ditadura "foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas". A nota afirmou ainda que o golpe militar foi "fruto do clamor popular" e criou "condições para a construção de um novo Brasil, em ambiente de paz e segurança". A nota revoltou integrantes do governo e do PT. No Palácio do Planalto, o ato foi visto, segundo dois assessores ouvidos pelo Valor, como um "contraponto" dos militares ao governo atual. "Achei a nota lamentável. Acredito que o Brasil teve um período gigantesco de sofrimento naquela oportunidade", declarou o ministro Waldir Pires, corregedor-geral da República. Na segunda-feira, antes de embarcar para uma viagem a Curitiba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou explicações do ministro da Defesa, José Viegas. O ministro alegou que a nota foi publicada sem o seu conhecimento. Lula ordenou, então, que ele apurasse quem foi o responsável pelo texto. O comandante do Exército estava fora do Brasil, por isso, só ontem Viegas pôde se encontrar com ele. Preocupado com a repercussão do caso no PT, o presidente Lula decidiu conversar com os dois, na Base Aérea de Brasília. Nessa conversa, Lula exigiu que fosse feita a retratação. Antes desse encontro, o presidente pediu ao senador Aloizio Mercadante (PT-SP) que transmitisse aos parlamentares petistas a garantia de que haveria retratação. "Ele pediu que ficássemos tranqüilos e não puséssemos mais fogo nesse assunto", contou um parlamentar. Na reunião com Lula e Viegas, o comandante do Exército disse que a nota publicada no domingo foi feita também à sua revelia. A responsabilidade recaiu sobre o Centro de Comunicação Social do Exército, chefiado pelo general Antônio Gabriel Esper. Ex-guerrilheiro preso durante a ditadura militar, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, foi o que mais atuou nos bastidores para que o Exército fizesse a retração. "Se não houvesse a retificação, haveria um clamor público para que ele (José Viegas) saísse", informou uma fonte do governo. Ao exigir a retratação, o presidente Lula acreditava ontem que ela encerraria o caso, afastando a possibilidade de uma crise militar. "Para mim, essa nota oficial satisfaz. Dou o caso por encerrado. Ela reflete um gesto de humildade do comandante do Exército e de reafirmação do compromisso com a democracia", atestou o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). O episódio enfraqueceu ainda mais, no entanto, a já difícil situação do ministro da Defesa no governo. Na avaliação do Palácio do Planalto, Viegas perdeu autoridade numa área em que, segundo um assessor do presidente, "autoridade é tudo". O ministro já havia se desgastado junto aos militares por ter prometido um reajuste dos soldos superior aos 10% autorizados pelo Ministério do Planejamento. Na semana passada, o comandante da Missão da ONU de Estabilização no Haiti, o general brasileiro Augusto Heleno Pereira, ajudou a piorar o ambiente ao declarar que a onda de violência em Porto Príncipe teria aumentado nos últimos dias por causa das declarações do candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, John Kerry, em favor do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, deposto em fevereiro após protestos e um levante armado. A declaração foi vista como um ato de insubordinação.